Do jeito que ele gosta, Julian Assange ocupa o centro do noticiário mundial. Quando escrevo, o australiano ainda está na embaixada em Londres do Equador, país que lhe concedeu asilo. Mas o governo britânico não deixa que ele saia. Quer despachá-lo para a Suécia, onde Assange é réu em dois casos de abuso sexual.
Assange
foi um dos fundadores, em 2006, do site WikiLeaks, especializado em receber e
divulgar informações confidenciais. Da cientologia aos defensores do aquecimento
global, passando por governos e corporações, muita gente apanhou com a
divulgação de documentos secretos por essa tropa combativa. Assange montou um
esquema de sonho para um ególatra: no WikiLeaks, todo mundo é anônimo, menos
ele.
Os
nomes dos informantes são segredos. Os principais colaboradores são conhecidos
apenas pelas iniciais. Mas, ele, Assange, dá entrevistas, escreve artigos,
assume com gosto o papel de messias da transparência total.
Transparência que ele próprio não pratica. O WikiLeaks
funciona em meio a paranoia e segredos, à moda de uma seita. E Assange sempre
escondeu sua história de vida. Só em 2010 o repórter Raffi Khatchadourian, da
revista "New Yorker", descobriu algumas coisas: padrasto violento, mãe hippie
contestadora e nômade (até os 14 anos de idade, Assange mudou 37 vezes de
casa).
O
WikiLeaks fez estragos importantes e merecidos desde o começo. Mas Assange só
assumiu o papel de celebridade mundial em 2010, quando procurou revistas e
jornais respeitados de EUA e Europa para investigar toneladas de documentos
secretos da diplomacia americana.
Foi uma
grande sacada. Trouxe o WikiLeaks, até então uma operação de "fringe", para o
domínio da mídia respeitável. Usou a perícia de jornais como "Guardian" e "New
York Times" de mergulhar em documentos, detectar o que tem interesse
jornalístico e transformar isso em reportagens.
Mas,
como disse Fernando Rodrigues na Folha de 15/8, também decretou o início do fim
do Wikileaks: "Os meios de comunicação tradicionais aprenderam o caminho. Vários
já usam sistemas on-line, recebem dados e preservam as fontes".
A
organização se esgotou, mas Assange obteve a fama.
Em
abril passado, participei de uma feira de televisão, em Cannes. O glamour e a
visibilidade não se comparam, mas local e estrutura são os mesmos do famoso
festival de cinema.
A
fachada do Palais des Festivals estava coberta por um cartaz imenso, anunciando
"The World Tomorrow", um "talk show" apresentado por Assange no Russia Today,
RT, canal bancado pelo Kremlim para ser tipo uma Fox News
"alternativa".
O
programa ia ao ar do apartamento dele. Entrevistado do primeiro dia: Hassan
Nasrallah, do grupo terrorista Hizbollah.
Seguiram-se outros do mesmo naipe, até chegar a vez de
Rafael Correa, presidente do Equador, país que acabou lhe oferecendo asilo. O
paladino da liberdade era acolhido por um perseguidor de
jornalistas.
Inescapável, também, a ironia de o cofundador do
WikiLeaks ganhar espaço no RT, sustentado por Vladimir Putin, de notório
histórico de "transparência".
Mais
irônico ainda que, justo na semana em que se decide o destino de Assange, o
mesmo governo Putin que lhe dedica tantas mesuras tenha voltado forças contra
três meninas do coletivo anarcopunk Pussy Riot.
Em
fevereiro, as "punkettes" do Pussy Riot invadiram a catedral do Cristo Salvador,
em Moscou. Dançando e pulando, cantaram um rock tosco exigindo a saída de
Putin.
As três
foram a julgamento, sob risco de cana brava por vandalismo. Escrevo antes do
veredicto. E leio no site da "Economist" que, quarta passada, o trio teve
direito a considerações finais. Foi um discurso histórico de Maria Alyokhina,
Yekaterina Samutsevich e Nadezhda Tolokonnikova (esta última de uma beleza
desconcertante, "riot girl" do Volga).
Assim
descreveu a revista: "Elas falaram de arte, de liberdade, da busca por
significados, tudo pontuado por referências aos Evangelhos, aos 'Ensaios' de
Montaigne e à 'humildade ontológica'".
Nada
disso faz parte da visão de Julian Assange.
Idi
Amin acabou na Arábia Saudita, Anastasio Somoza se exilou no Paraguai, carrascos
da Segunda Guerra vieram parar na Bolívia, na Argentina e no
Brasil.
Se não
for preso no caminho do aeroporto, Julian Assange, que parecia arauto de uma
revolução jornalística, entra para o rol dos exilados em destinos exóticos. Uma
espécie de pária, mas um pária famoso. Deve estar feliz.
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