"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 18 de agosto de 2012

EXEMPLO DE MATURIDADE INSTITUCIONAL

 

O mensalão não é só um caso emblemático de corrupção na política. Ele também tem servido de exemplo de como as instituições, no estado de direito, devem agir. E o início do julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal, com o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, dando os primeiro votos, já demonstra a seriedade com que a Corte trata o tema.
Da eclosão do escândalo, em 2005, com a denúncia do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), à quinta-feira, quando o ministro começou a ler as mais de mil páginas dos seus veredictos — um para cada réu —, a tramitação do caso tem reforçado a ideia de que o regime de democracia representativa, com a devida independência entre os Poderes, ganha musculatura no país.

Algo semelhante ao que ocorreu na tramitação do impeachment de Collor, punido pelo Congresso, mas absolvido no STF, onde exerceu amplo direito de defesa, assim como, agora, os mensaleiros.

A convocação e o trabalho das CPIs que trataram do escândalo, a construção da peça de denúncia pelo Ministério Público Federal (Procuradoria-Geral da União), a atuação da Polícia Federal em busca de provas, a aceitação da denúncia pelo STF, há cinco anos, e, agora, os primeiros passos do julgamento confirmam a aposta em que o regime republicano deverá sair dele ainda mais forte.

Não deve preocupar o choque entre ministros do Supremo, ou em qualquer outra Corte da Justiça. Joaquim Barbosa, de um lado, e o revisor de seu voto, ministro Ricardo Lewandowski, parecem ser os pontos extremos neste julgamento. E nisso não há qualquer problema. Os ritos dos tribunais ganham consistência no contraditório.

Mesmo que a questão do desmembramento do processo — para que os réus sem foro privilegiado passassem ao crivo da primeira instância — houvesse sido tratada em vezes anteriores, Lewandowski tinha direito a abordar novamente o assunto, e o fez, na primeira sessão do julgamento, a partir de questão de ordem levantada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos.

Houve veemente debate entre ele e Joaquim Barbosa, e Lewandowski saiu derrotado no apoio ao desmembramento, em votação conduzida pelo presidente da Corte, Ayres Britto. A temperatura das discussões, ao contrário de desqualificar o julgamento, melhora sua qualidade. Além de demonstrar a seriedade com que cada ministro encara o processo.

O segundo choque entre os ministros, em torno da estrutura da votação — se por itens, como fez o relator, ou no todo, modelo de Lewandowski — também foi equacionada pelo próprio plenário, por maioria de votos, a melhor forma de se superar conflitos. O revisor também saiu derrotado, o que também nada significa em termos de definição de tendência dos veredictos.

É possível que ocorram mais discussões acaloradas. Se acontecerem, tanto melhor para a qualidade do desfecho do julgamento.

18 de agosto de 2012
Editorial, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário