"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 18 de agosto de 2012

STRIP-TEASE DA POLÍTICA

A julgar pela leitura inicial do voto do relator Joaquim Barbosa, não haverá concessão aos principais réus do Mensalão.

O tom acusatório do ministro, indiferente – e contrário - aos argumentos da defesa, está em sintonia com o raciocínio expresso pelo Procurador Geral, segundo o qual os múltiplos delitos dessa ação penal configuram uma ação orquestrada.

Sabe-se também, pelos sinais já emitidos – e reiterados -, que o voto do revisor, Ricardo Lewandowski, não é exatamente esse. Essa dicotomia entre relator e revisor, manifestada já na primeira sessão, autoriza também a previsão de que esse será um julgamento “tumultuado”. Está sendo.

A previsão, aliás, foi feita pelo próprio Lewandowski, já na questão de ordem inicial, da defesa, em que aderiu à tese de desmembramento do processo, de que resultaria o esvaziamento da ação penal, que ficaria assim restrita a três réus, detentores de mandato parlamentar. Os demais iriam à primeira instância.

Causou estranheza não apenas o tempo que levou para enunciar seu ponto de vista – uma hora e meia -, mas o fato de que já o manifestara, em sentido contrário, em uma das três oportunidades anteriores em que o STF já se pronunciara contrariamente a respeito. Era, como se diz, questão preclusa.
O revisor – embora não esteja obrigado a chancelar o relator - age habitualmente como um colaborador.

Acompanha-o na formulação de seu relatório, apontando e suprindo as eventuais falhas processuais. Lewandowski não agiu assim.

Nem percebeu, por exemplo, uma falha processual grave, apontada por um defensor público, de que resultou a exclusão do réu Carlos Alberto Quaglia da ação penal por cerceamento de defesa. O olho técnico do revisor comeu mosca.

Sua primeira intervenção, na sessão inaugural, surpreendeu o relator, que indagou por que não o alertara antes de seu ponto de vista, que mudaria o destino da ação. Poderia ser um dado isolado, mas o desdobramento das sessões mostrou que não. O próprio Lewandowski avisou que seu relatório seria distinto, alternativo.

Criou-se, assim, uma situação singular, em que o relator perde a condição de figura central do julgamento. E confirma, para quem tinha dúvidas, o sentido político dessa ação penal.
Por mais que os ministros insistam em dizer que se trata de um processo como outro qualquer, a ser examinado de um ponto de vista técnico, dentro da rotina judiciária, eles próprios sabem que não é, de modo algum, assim.

Se essa fronteira entre o técnico e o político já não é nítida em processos comuns, nos quais sempre há uma dose de subjetividade, muito menos o será numa ação penal que mobiliza a opinião pública e põe em cena não apenas os réus que lá estão, mas a própria política brasileira, no seu aspecto moral e funcional.

Os advogados de defesa, que postulam um julgamento técnico, são os primeiros a negá-lo. Todos, sem exceção, buscaram reduzir o leque de delitos – muitos dos quais por eles reconhecidos – a um “mero” caixa dois de campanha.

Não há dúvida de que caixa dois não é um crime novo (aliás, não consta que haja algum), nem é menos verdade que é cometido com a maior sem cerimônia. Isso, porém, não o legitima, nem exclui das penas da lei quem o pratica.

A propósito, a Justiça Eleitoral tem sido implacável quando algum se apresenta. Que o digam os governadores que perderam o mandato por tê-lo cometido de uns anos para cá.

A questão central, porém, não é essa – e o relator Joaquim Barbosa deixou isso claro: pouco importa em nome do quê um delito é praticado, importa que o foi.

E o Mensalão não é mais que isso: um conjunto de delitos, com o dinheiro público, praticado em conluio por agentes públicos e privados, para, segundo a acusação, remunerar ilegalmente parlamentares para votar com o governo; e, segundo a defesa, para bancar despesas eleitorais.

Numa ou noutra hipótese, a ré maior é a política brasileira, personalizada naqueles 37 réus. O duelo entre relator e revisor antecipa o que está em pauta: a preservação de um modelo ou a declaração de sua falência. O relator o está submetendo a um strip-tease implacável. Vejamos como o revisor sustentará que nem toda nudez deve ser castigada.

18 de agosto de 2012
Ruy Fabiano é jornalista

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