Julian Assange ou Joaquim Barbosa?, eis a questão. O personagem desta surpreendente semana de agosto bem poderia ser o criador do Wikileaks. Afinal, apostando contra as probabilidades mais óbvias, Assange conseguiu o asilo solicitado ao Governo do Equador, "vitória importante", como ele próprio definiu, na mais recente batalha política, na guerra sem fim à vista, pelo direito à plena liberdade de informação e contra as infamantes acusações pessoais que pesam contra ele.
Cercado na embaixada equatoriana, em Londres, - sob forte pressão do Reino Unido, inconformado com a decisão partida de Quito; acusado de estupro na Suécia; fígado à prêmio nos Estados Unidos -, Assange resiste sem vacilações ou maiores temores aparentes.
Até a sexta-feira, 17, enquanto batucava estas linhas semanais, ele saboreava o tento conseguido. O que virá depois ainda é cedo para prever, mas isso é outra batalha, outra história sem tempo previsível para o desenlace. Pode esperar.
Diante disso, prefiro destacar o mineiro Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal, relator do intrincado e intrigante processo de julgamento dos réus do caso Mensalão, como a figura de maior destaque dos últimos sete dias.
Não só sob o ponto de vista dos fatos jornalísticos produzidos. Também pelos méritos por seu vigoroso e brilhante desempenho jurídico - profissional, aliados a uma dolorida performance pessoal - inesperada para alguns, improvável para outros, mas sempre marcada pelos princípios e os ditames da lei em busca da justiça.
O comportamento reto e inatacável, até aqui, do ministro relator neste rumoroso processo que mexe com os nervos do país - réus, juristas, empresas da mídia e seus jornalistas, políticos, donos do poder, ex-governantes, e a voz das ruas em geral - faz toda diferença na comparação entre Barbosa e Assange. E facilita a opção em favor do primeiro.
Pode parecer exagero, mas, ainda assim, corro o risco de afirmar: a atuação do ministro Joaquim Barbosa - marcada pela dor física implacável que o persegue há anos e a vontade inabalável de não perder o rumo em seus deveres de magistrado - tem sido até aqui a marca principal do polêmico julgamento. Merecedora de apreciação de Jorge Luis Borges, se vivo estivesse o notável escritor argentino.
Borges, afinal, é um mestre maior quando o assunto é o homem em seus labirintos. Na apresentação do livro de narrativas "Ficções", que aproveito para reler nesse agosto de 2012, encontro justificativas para o que penso e escrevo neste artigo semanal. Vale transcrever:
"Borges desce até às minúcias, na descrição desse labirinto, apresentando o reino do absurdo através do excesso do real... Este é o mundo de Borges e também o nosso: instituições, praxes, normas, hábitos, hipocrisia e perplexidades - o nosso controverso, solitário, "inútil e incorruptível mundo, tão lógico e tão real, onde "também a cicatriz antecede a ferida" e a vida sucede a morte", onde existimos, clones de seu (e nossos) labirinto".
Aspas fechadas, voltemos ao plenário do STF, na tarde da última quinta-feira.
Terminada a fase de apresentação das teses de defesa, pelos advogados dos 38 acusados no caso Mensalão - que fez muita gente bocejar e pegar no sono no pleno e na platéia - começou um debate aceso dos julgadores, de repente revigorados e atentos, sobre a forma de apresentação dos votos do julgamento.
Assim como no primeiro dia dos trabalhos, de novo duelaram o relator e o revisor do montanhoso e desgastante processo. Outra vez, o ministro Joaquim Barbosa fez o seu colega Ricardo Lewandowski beijar a lona, embora sem nocaute como da primeira vez, quando o revisor tentou desmembrar o julgamento.
Permitam a vulgar expressão do boxe, para confronto entre magistrados, mas é a melhor, figurativamente, neste caso exemplar. Barbosa defendeu votação em blocos, segundo os crimes. Ele, relator, votaria primeiro. Em seguida, o voto do revisor Lewandowski. Depois os demais ministros.
Lewandowski discordou, e defendeu que o certo seria o fatiamento das sentenças. Ele faria a leitura de todo o seu relatório - um arrazoado de mais de 1.200 páginas - e depois daria os votos sobre todos os réus. Finalmente os demais ministros.
O presidente do Supremo, Ayres Brito, ao intermediar a disputa, decidiu que cada ministro será livre para votar como queira. Mas ontem, em entrevista, foi claro ao adiantar que na retomada do julgamento, na semana que vem, os votos dos ministros serão dados conforme o proposto pelo relator.
Poupo o leitor de mais detalhes. A não ser para destacar o primeiro voto do ministro relator, pedindo a condenação, por corrupção, do ex-presidente da Câmara, João Paulo e do publicitário Marcos Valério, dois nomes emblemáticos do Mensalão.
É isso que faz do ministro Joaquim Barbosa o personagem da semana, por mérito. O resto, a conferir a partir de segunda-feira (20).
18 de agosto de 2012
Vitor Hugo Soares
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