MARANHÃO EM TRANSE
Francisca era de Cururupu, no Maranhão, lá no norte do Estado, terra dos irmãos Frejat e dos irmãos Murilo e Antenor Barbosa Lima, então perdido fim de mundo sem estrada e sem luz elétrica, que só pelo rádio conhecia Vitorino Freire e José Sarney.
Francisca foi para o Rio, era empregada doméstica, na casa de José Edson Sampaio, diretor financeiro da Unimed (Previdência Privada) de Niterói.
Na Copa, José Edson convidou os amigos para assistirem ao jogo Brasil x União Soviética. Uísque, tira-gosto e a alma gelada.
Eles torcendo, sofrendo, bebendo, e Francisca, entre a cozinha e a sala, servindo gelo e salgadinho. Daí a pouco, frango de Valdir Perez e os russos fazem o gol.
Na sala, silêncio de tocaia. Francisca larga os pratos na mesa, dá um pulo e volta saltando para a cozinha, comemorando o gol dos soviéticos.
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COPA
Ninguém entendeu nada. José Edson ficou furioso:
– Você está maluca, Francisca? Quem fez o gol foram os russos, contra o Brasil, e você aí comemorando? Você é comunista, garota?
– Não sei o que é isso não. Mas não foi a Rússia que fez o gol? Lá em Cururupu me disseram que a Rússia é um lugar onde não tem fome.
GLAUBER
O Maranhão continua sem ser a Rússia. E é um pesadelo nacional. Tem o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU) do País. De todos os Estados, ainda hoje, com 47 anos de dominação de Sarney sobre a política e a economia do Estado, é onde há mais fome no Brasil.
O gênio de Glauber Rocha viu isso logo depois de 1965, quando o jovem deputado José Sarney se elegeu governador anunciando a revolução do “Maranhão Novo”. Glauber foi lá fazer um documentário, viu a alma profunda do Maranhão em transe e anos depois se inspirou para fazer o clássico “Terra em Transe” sobre gente de carne e osso, contando a história de uma nova oligarquia que estava nascendo:
– Paulo Autran, conservador, velho líder absoluto, era Victorino Freire.
José Lewgoy, bigodinho bem cuidado, cabelo brilhantinado até a testa, contraditório, cada dia defendendo uma posição diferente, era Sarney.
Paulo Gracindo, sotaque gringo, era Alberto Aboud, dono de jornal, que Sarney, governador, comprou e mudou o nome para Estado do Maranhão.
Jardel Filho, jornalista, poeta, poliglota, era Bandeira Tribuzzi.
Joffre Soares, o padre sempre com Sarney, era o cônego Artur Gonçalves.
Quase 50 anos depois, o filme consagrado, Glauber já morto, o transe do Maranhão pouco mudou.
Dono da principal TV (repetidora da Globo) e de rádio e jornal, e da alma política dos donos das outras duas TVs, Sarney foi, até há pouco, senhor de baraço e cutelo do Estado.
Diz o povo que aqui ele só não conseguiu comprar três coisas: o Jornal Pequeno, a fábrica de papagaio de Manoel Caveira e o “Cuscuz Ideal”.
O resto é dele ou dos dele.
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