"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de setembro de 2012

O MENSALÃO E O VIOLINO

 

A elite suja e reacionária deste país está aplicando mais um golpe contra o PT. Este foi o alerta dado pelo presidente do partido, Rui Falcão. Ele ficou indignado com a condenação de João Paulo Cunha, no STF, por corrupção passiva e peculato.

Com a perspectiva de que outros réus do partido tenham o mesmo destino no julgamento do mensalão, Falcão ameaçou: “Não mexam com o PT, porque quando o PT é provocado ele cresce, reage.”

Reage mesmo. E reage com patriotismo. Por sorte, o Sete de Setembro estava chegando, proporcionando mais uma ótima ocasião para Dilma Rousseff falar diretamente ao seu povo, sem passar pela mídia burguesa — que, segundo Falcão, é uma das agentes do golpe, junto com o Judiciário e outros vilões da elite suja.

O golpe é contra o operário e a mulher que mudaram este país. Mas a mulher reagiu no Dia da Independência.

Dilma só disse coisas boas em cadeia nacional de rádio e TV. O melhor do seu pronunciamento, porém, foi o fundo musical. Com a sutileza própria dos revolucionários, que endurecem sem perder a ternura, entraram na comunicação presidencial um violino choroso e um piano adocicado, ornando com perfeição o melodrama dos oprimidos, que resistem firmes ao golpe dos reacionários.

Pronunciamento oficial com fundo musical é um dos maiores avanços trazidos pelo governo do PT. Era o que estava faltando aos nossos governantes: um pouco mais de emoção — especialmente naquele horário, logo antes da novela.

Dilma e Lula não têm tido gancho para chorar em público, mas o violino chorou maravilhosamente por eles, numa versão romântica do Hino da Independência.
Bem que o presidente do PT avisou para não mexer com eles.

Num pronunciamento oficial com toques de showmício, evidentemente o que é falado é o menos importante. E está certo que seja assim. Ninguém vai querer que o telespectador, contando os minutos para ver Carminha, fique prestando atenção na numeralha do Brasil-potência que o PT construiu.

E isso é ótimo, porque só o que faltava era esperarem que a presidente, com todo o trabalho de cabeleireiro, cenografia e trilha sonora, ainda tivesse que dizer coisa com coisa.

Como diz o Hino da Independência, já raiou a liberdade no horizonte do Brasil — inclusive a liberdade de dizer a essa brava gente o que lhe der na telha. Foi desse jeito livre que Dilma Rousseff anunciou uma redução nas tarifas de energia, naturalmente sem mencionar que devia R$ 7 bilhões aos brasileiros por cobranças indevidas nas contas de luz. Mas isso não combinaria com piano e violino.

Também aproveitou a liberdade no horizonte para não dizer que a bondade elétrica do governo popular vai lhe custar R$ 21 bilhões.

A outra boa notícia é que o governo não passa cheque sem fundo: o contribuinte cobre tudo. E cobre feliz, ao som de violino e à luz da economia que ele acha que vai fazer.

Provavelmente foi por isso que Dilma encerrou seu pronunciamento de Sete de Setembro dizendo “viva o povo brasileiro”. Talvez pudesse arrematar com um “Deus lhe pague”.

Viva o povo que aprova o governo do PT, e o protege desses golpes da elite suja e da mídia conservadora. Lula e José Dirceu também prometem reagir, denunciando à OEA o atentado aos direitos dos réus do mensalão.

De fato, é preciso proteger os seus direitos de ir e vir entre os cofres públicos e a caixinha do partido. Se a OEA, a Anistia Internacional e outros organismos progressistas tiverem dúvida, é só prestarem atenção às palavras do ministro Ricardo Lewandowski. Ele já declarou aos seus colegas do Supremo que está em curso um julgamento “heterodoxo”. Ou seja: um julgamento muito estranho, talvez suspeito.

Lewandowski e Dias Toffoli, os ministros heterodoxos com amizades ortodoxas na corte petista, estão dando o melhor de si. Votaram pela absolvição de João Paulo Cunha e vão tentando aliviar o sócio de Marcos Valério que pode ligá-lo a Dirceu. É confortante saber que essas vítimas da elite suja não estão desamparadas. País limpo é país sem sujeira.

O ideal seria que o julgamento do mensalão fosse todo transmitido por boletins da presidente em cadeia nacional, com violino. A mídia golpista ia ver o que é bom para tosse — e para as eleições.
O importante é isso: não deixar que a elite suja desmascare os companheiros limpos, e assim golpeie sua imaculada máquina eleitoral.

Se o eleitorado desconfiar que o país caminha apesar de um governo parasita e perdulário, pode querer desalojar os companheiros de suas cadeiras públicas — o que seria um grave problema social.
O currículo da própria presidente não deixa dúvidas: não se sabe o que seria dessa brava militância sem a bênção do voto (e do emprego que dele emana).

A heroína argentina já está ouvindo panelaços. O tango da viúva melodramática começou a desafinar. Por aqui, a trilha sonora do oprimido, por incrível que pareça, continua dando para o gasto.

15 de setembro de 2012
Guilherme Fiúza, O Globo
 

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