Os bandalheiros são marginais porque têm consciência de que violam os direitos do outro no espaço público. Estão à margem da estrada e da lei. Além de piorar o engarrafamento, põem em risco sua vida, a de sua família e a de quem estiver no acostamento por direito: ciclistas, carros enguiçados, gente trocando o pneu, moradores locais.
Aí vai uma seleção de bandalheiros fotografados. O Fiat Uno de Petrópolis (RJ), placa GWB-0677, faz propaganda da vereadora Eliane Macharoto com slogan: “Educação e compromisso”. Compromisso com a ilegalidade. O Toyota Hilux de Ribeirão Preto (SP), placa EPS-7321, anuncia: “Deus é fiel”. O Nissan do Rio de Janeiro (RJ), placa LPH-7255, e o Hyundai de Barbacena (MG), placa HNL-6216, pressionam uma carreta. O Honda Civic do Rio de Janeiro (RJ), placa LOT-2674, é de eleitor consciente: “Eu não vendo meu voto”. Mas vende a consciência.
+Fotos: carros fotografados pela colunista trafegando no acostamento no feriadão
“Nos feriadões de turismo familiar, a infração campeoníssima nas estradas é acostamento”, afirma Marisa Dreys, chefe da Comunicação da PRF no Rio. “No último, 80% dos 1.600 autos de infração na BR-101 foram tráfego no acostamento e ultrapassagem indevida.” Havia ali, no domingo passado, 19 policiais, sete viaturas fixas, quatro motocicletas e um helicóptero, além dos carros extras de supervisão.
Formada em Direito, com mestrado em antropologia e tese sobre trânsito, Marisa passou 14 anos como policial rodoviária e colecionou histórias. Eis algumas: “O infrator diz: ‘Sou advogado’. Respondo: ‘Que bom, o senhor conhece a lei. Prazer, sou policial rodoviária federal’. O outro: ‘Mas vai me multar? Sou um cidadão de bem’. Um apela à classe: ‘Sou colega, funcionário público’. O defensor da hierarquia: ‘Mas não tem uma diferençazinha na lei para quem tem um carro melhor?’. Respondo: ‘Não, a lei é igual. No seu carro, a casa é de todos. É o espaço da rua, público’. E há as desculpas: ‘Entrei no acostamento porque várias pessoas tinham entrado e achei que não tinha problema. Os senhores me perdoam?’”.
Não, a gente não perdoa. Segundo Marisa, quando os policiais multam no acostamento, os motoristas aplaudem. E são a grande maioria. Na BR-101, passaram 90 mil veículos por dia no feriadão. Muito mais gente respeitou. Adoraríamos ver os bandalheiros apreendidos no ato – igual à Lei Seca. Perdeu. Larga o carro aí e volta de ônibus para casa. Queria ver se, no feriadão seguinte, ele transformaria o acostamento numa pista extra.
As reações dos motoristas a minha câmera variavam. O do Hyundai Tucson, placa KXZ-5685, de Saquarema (RJ), riu e fez o V de vitória. A mulher do Ford Fiesta, placa KVP-7141, de Duque de Caxias (RJ), freou no acostamento: “Você fotografou o MEU carro? Você é policial por acaso? Sua F. D. P.”. Saiu xingando. O copiloto levava uma criança no colo. Outra irregularidade.
Há tecnologia à disposição dos policiais. Câmeras, filmadoras e celulares. A nova Pistola Trucam funciona como um radar móvel e é capaz de multar 30 veículos por minuto a até 220 metros de distância. Não adianta querer um policial a cada 150 metros. É inviável. Eu, leiga, adorei os 120 cavaletes com um plástico “proibido trafegar”, colocados em 7 quilômetros da Via Lagos. Estava errada. O acostamento precisa estar livre. “Num Carnaval, um senhor tinha perdido um dedo, que estava no gelo, e corria num táxi para um reimplante no hospital, eu abri caminho com a patrulhinha”, diz Marisa.
É preciso educar, punir, fazer pressão social. A Via Lagos dá cursos sobre trânsito a professores dos cinco municípios cortados pela estrada. Em três anos, 15.550 crianças do 4o ano foram atendidas. Elas escrevem cartinhas distribuídas no pedágio para sensibilizar os motoristas.
No feriadão, houve 2.319 acidentes nas rodovias federais, com 110 mortos e 1.438 feridos. Números de guerra em tempo de festa. De janeiro a março de 2012, 10% dos atropelamentos nas estradas aconteceram no acostamento. Se você tem vergonha de furar fila de cinema porque reclamarão, pense: você se julga “ixperto”, protegido pelo vidro escuro, mas está sendo filmado. Ao furar fila na estrada, põe vidas em risco. Isso é coisa de marginal.
15 de setembro de 2012
Ruth de Aquino, Época
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