A dívida pública soberana dos países ganhou grande notoriedade nos últimos tempos, por conta da crise financeira internacional. A cobertura dominante da mídia – controlada pelas grandes corporações capitalistas – procurou, especialmente a partir do agravamento da situação europeia, atribuir aos desequilíbrios fiscais dos países – e o consequente crescimento do endividamento em títulos dos mesmos – a razão maior da própria crise.
Trata-se de um típico exemplo de inversão – não gratuita – entre o que é efeito e o que é, de fato, causa. De um modo geral, a situação fiscal dos países europeus somente se deteriorou a partir das sucessivas e pesadas intervenções de socorro aos bancos privados, nos anos de 2007 e 2008.
Até então, o chamado desempenho fiscal e financeiro dos diversos países da zona do euro se encontrava dentro dos limites dos déficits anuais e de endividamento, estabelecidos em tratados específicos da União Europeia.
Atualmente, tornou-se de certo modo inconveniente a lembrança de fatos como esse, pois a linha de intervenção dominante para o enfrentamento da crise foi o de transferir aos próprios Tesouros Nacionais de cada país a responsabilidade pela crise, impondo aos governos nacionais programas de ajuste fiscal, com cortes de despesas e elevação de impostos, a serem bancados por milhões de pessoas já pressionadas pela escassez de empregos e a perda de direitos sociais.
Recorro a essas observações, em decorrência da nossa própria situação, em termos do atual quadro da dívida pública brasileira. Em meados dos anos 1990, justificou-se, por exemplo, o programa de privatizações de empresas estatais como uma forma de se reduzir a dívida pública e, por outro lado, melhorar o investimento público nas áreas sociais e na infraestrutura do país.
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PRIVATIZAÇÕES
Agora, depois de mais de quinze anos, a atual presidente anuncia o lançamento de um programa de privatizações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos; submete os servidores públicos federais ao tacão de reajustes salariais que impõe perda no valor real dos vencimentos; arrocha o Orçamento da União, e convive com a degradação de serviços públicos essenciais, como a saúde, os transportes públicos ou a educação de qualidade, sem que nos esqueçamos do olímpico abandono de um sério programa de reforma agrária.
Mas, e a dívida pública do governo, em títulos? Em janeiro de 1995, somava o montante de R$ 62 bilhões, valor correspondente a pouco mais de 10% do PIB. Agora, pelos dados de junho desse ano, chegamos à inacreditável cifra de R$ 2,7 trilhões, correspondendo a mais de 60% do PIB do país.
Algum problema? Aparentemente, nenhum: os que sempre se beneficiaram dos lucros do endividamento – bancos, seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensão, grandes empresas, multinacionais e os ricos, em geral – continuam muito bem, obrigado. Mesmo frente à redução da taxa Selic, os poupadores em títulos do governo não têm o que reclamar: o custo médio de financiamento da dívida se elevou.
Enquanto a taxa Selic passou de 11% ao ano para 7,5%, de dezembro do ano passado até agosto, o custo médio das operações de financiamento, em julho desse ano, ficou em 12,88%, de acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional. Isso foi possível, porque na medida em que o governo foi reduzindo a taxa Selic, os novos títulos públicos oferecidos ao mercado passaram a ser indexados a taxas pré-fixadas, muito superiores à Selic.
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INSTRUMENTO DE PODER
A rigor, a dívida pública de um país é um poderoso instrumento de poder, através da forma como ela pode ser administrada. Os Estados nacionais, através do mecanismo da dívida pública, acabam por arbitrar quem perde e quem ganha, no jogo político das finanças públicas e na própria dinâmica da acumulação capitalista.
Mais do que isso, a história do capitalismo não pode ser compreendida – inclusive no seu formidável processo de afirmação e consolidação como sistema hegemônico mundial – sem o papel que o Estado desempenhou, particularmente na administração das dívidas soberanas.
Para um país como o Brasil, marcado por um padrão de desigualdade sem par pelo mundo, combinando miséria e pobreza de milhões, com uma classe cosmopolita, minoritária e superrica, em meio a um país de riquezas incalculáveis, compreender o papel da dívida é essencial.
Particularmente nas últimas décadas, a formação de conglomerados empresariais, novos ricos e a conformação de uma nova morfologia do sistema capitalista no país estão intimamente relacionadas ao negócio da dívida pública, e às vantagens de quem a administra.
Do mesmo modo, uma reversão desse trágico quadro somente poderá ser alcançada se as conexões entre a administração da dívida pública e as políticas tributária e fiscal estiverem a serviço de um projeto voltado prioritariamente para a elevação do nível de educação e seguridade social do nosso povo, sustentado por um processo de fortalecimento da produção de bens, serviços e geração de novas tecnologias, adequadas às nossas necessidades e sob crescente controle nacional.
Trata-se de um típico exemplo de inversão – não gratuita – entre o que é efeito e o que é, de fato, causa. De um modo geral, a situação fiscal dos países europeus somente se deteriorou a partir das sucessivas e pesadas intervenções de socorro aos bancos privados, nos anos de 2007 e 2008.
Até então, o chamado desempenho fiscal e financeiro dos diversos países da zona do euro se encontrava dentro dos limites dos déficits anuais e de endividamento, estabelecidos em tratados específicos da União Europeia.
Atualmente, tornou-se de certo modo inconveniente a lembrança de fatos como esse, pois a linha de intervenção dominante para o enfrentamento da crise foi o de transferir aos próprios Tesouros Nacionais de cada país a responsabilidade pela crise, impondo aos governos nacionais programas de ajuste fiscal, com cortes de despesas e elevação de impostos, a serem bancados por milhões de pessoas já pressionadas pela escassez de empregos e a perda de direitos sociais.
Recorro a essas observações, em decorrência da nossa própria situação, em termos do atual quadro da dívida pública brasileira. Em meados dos anos 1990, justificou-se, por exemplo, o programa de privatizações de empresas estatais como uma forma de se reduzir a dívida pública e, por outro lado, melhorar o investimento público nas áreas sociais e na infraestrutura do país.
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PRIVATIZAÇÕES
Agora, depois de mais de quinze anos, a atual presidente anuncia o lançamento de um programa de privatizações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos; submete os servidores públicos federais ao tacão de reajustes salariais que impõe perda no valor real dos vencimentos; arrocha o Orçamento da União, e convive com a degradação de serviços públicos essenciais, como a saúde, os transportes públicos ou a educação de qualidade, sem que nos esqueçamos do olímpico abandono de um sério programa de reforma agrária.
Mas, e a dívida pública do governo, em títulos? Em janeiro de 1995, somava o montante de R$ 62 bilhões, valor correspondente a pouco mais de 10% do PIB. Agora, pelos dados de junho desse ano, chegamos à inacreditável cifra de R$ 2,7 trilhões, correspondendo a mais de 60% do PIB do país.
Algum problema? Aparentemente, nenhum: os que sempre se beneficiaram dos lucros do endividamento – bancos, seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensão, grandes empresas, multinacionais e os ricos, em geral – continuam muito bem, obrigado. Mesmo frente à redução da taxa Selic, os poupadores em títulos do governo não têm o que reclamar: o custo médio de financiamento da dívida se elevou.
Enquanto a taxa Selic passou de 11% ao ano para 7,5%, de dezembro do ano passado até agosto, o custo médio das operações de financiamento, em julho desse ano, ficou em 12,88%, de acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional. Isso foi possível, porque na medida em que o governo foi reduzindo a taxa Selic, os novos títulos públicos oferecidos ao mercado passaram a ser indexados a taxas pré-fixadas, muito superiores à Selic.
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INSTRUMENTO DE PODER
A rigor, a dívida pública de um país é um poderoso instrumento de poder, através da forma como ela pode ser administrada. Os Estados nacionais, através do mecanismo da dívida pública, acabam por arbitrar quem perde e quem ganha, no jogo político das finanças públicas e na própria dinâmica da acumulação capitalista.
Mais do que isso, a história do capitalismo não pode ser compreendida – inclusive no seu formidável processo de afirmação e consolidação como sistema hegemônico mundial – sem o papel que o Estado desempenhou, particularmente na administração das dívidas soberanas.
Para um país como o Brasil, marcado por um padrão de desigualdade sem par pelo mundo, combinando miséria e pobreza de milhões, com uma classe cosmopolita, minoritária e superrica, em meio a um país de riquezas incalculáveis, compreender o papel da dívida é essencial.
Particularmente nas últimas décadas, a formação de conglomerados empresariais, novos ricos e a conformação de uma nova morfologia do sistema capitalista no país estão intimamente relacionadas ao negócio da dívida pública, e às vantagens de quem a administra.
Do mesmo modo, uma reversão desse trágico quadro somente poderá ser alcançada se as conexões entre a administração da dívida pública e as políticas tributária e fiscal estiverem a serviço de um projeto voltado prioritariamente para a elevação do nível de educação e seguridade social do nosso povo, sustentado por um processo de fortalecimento da produção de bens, serviços e geração de novas tecnologias, adequadas às nossas necessidades e sob crescente controle nacional.
(Artigo enviado por Mário Assis)
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