Artigos - Cultura
Em textos posteriores, como “A Confusão da Revolução” (continuação explicativa do primeiro texto) isso fica ainda mais claro. Mais recentemente, no terceiro texto do blog sobre o assunto, “Amor e crueldade: uma união possível?”, rebate-se o artigo “Ditadura do proletariado em Gotham City”, do comunista e pseudo-intelectual Slavoj Žižek.
Só mesmo essa intelectualidade de esquerda para transformar Bane e Talia em representantes organizados dos oprimidos. Também, o que esperar de gente que nivela Che Guevara a Jesus Cristo? Que a ideia de revolução está presente no terceiro filme do Batman está muito claro. Porém, eu seria mais amplo: diria que toda a trilogia do Batman foi construída sobre o pano de fundo da mentalidade revolucionária e a necessidade de combatê-la.
O filme “Batman Begins” nos mostra pela primeira vez a Liga das Sombras, que representa a elite revolucionária. Seus membros julgam-se superiores intelectualmente e moralmente, face à corrupção reinante.
O vilão, Ra’s Al Ghul, tem como principal característica a retórica moralizante para transformar a sociedade e varrer a corrupção através do morticínio e do terror. Bruce Wayne é treinado para se tornar uma “máquina de matar”, mas resiste no último momento, mostrando-se contrário à mensagem da “purificação via destruição”, tornando-se ele próprio o inimigo da Liga a ser batido.
Nos quadrinhos da DC Comics, Ra’s Al Ghul é claramente inspirado nas idéias de Jean Jacques Rousseau, como a figura do “bom selvagem” e a sociedade como corruptora dos homens. Nos quadrinhos existe um “Poço de Lázaro” que permite que Ra’s esteja vivo desde o século XVI.
Nos quadrinhos da DC Comics, Ra’s Al Ghul é claramente inspirado nas idéias de Jean Jacques Rousseau, como a figura do “bom selvagem” e a sociedade como corruptora dos homens. Nos quadrinhos existe um “Poço de Lázaro” que permite que Ra’s esteja vivo desde o século XVI.
Há uma história, inclusive, na qual Ra’s chega ao Novo Mundo a tempo de ver in loco o “bom selvagem” e testemunhar a civilização europeia “espalhando a corrupção” no continente recém-descoberto. Nesta ocasião, ele se convence da necessidade da destruição da “sociedade corrupta”, exatamente como o “filósofo” iluminista Rousseau.
Por isso, tendo a observar que o pensamento e os métodos da Liga no primeiro filme são análogos aos da Revolução Francesa e se assemelham, em especial, ao espírito revolucionário do século XVIII. Ra’s desempenha o papel de Robespierre, o “incorruptível”.
Por isso, tendo a observar que o pensamento e os métodos da Liga no primeiro filme são análogos aos da Revolução Francesa e se assemelham, em especial, ao espírito revolucionário do século XVIII. Ra’s desempenha o papel de Robespierre, o “incorruptível”.
Existe ainda a simbologia do “Poço de Lázaro” (clara alusão ao personagem bíblico Lázaro de Betânia, descrito no Evangelho de João como um amigo íntimo de Jesus que foi por Ele ressuscitado). Este permite que o espírito revolucionário (representado por Ra’s Al Ghul, homem de 500 anos) nunca morra.
O poço é usado para rejuvenescer a ideia revolucionária do “Paraíso na Terra”. Ele a revive, de geração em geração. Entretanto, o poço também faz com que seu usuário (ou seja, Ra’s) fique temporariamente insano. O detalhe é que cada vez que mergulha, fica mais insano!
Ou seja, o processo é cumulativo. Voltando à simbologia, é como se cada onda revolucionária viesse mais louca (e mortífera) que sua antecessora.
Já o filme “The Dark Knight” apresenta o Coringa, aparentemente um anarquista sem propósitos. Na minha visão, entretanto, ele é um revolucionário do tipo “desconstrucionista”, típico da “guerra cultural” recente. Isso fica claro no diálogo entre o mordomo Alfred e Bruce Wayne.
Em algum momento do filme “The Dark Knight”, os dois conversam sobre as motivações do Coringa e sua associação com a máfia. O diálogo (em tradução livre) revela algo interessante:
Bruce Wayne: Transformar-me em alvo não trará o dinheiro deles de volta. Eu sabia que a máfia não iria se render sem lutar, mas isso é diferente. Eles [mafiosos] passaram do limite.
Alfred Pennyworth: Você o passou primeiro, senhor. Você os pressionou, espremeu-os até o ponto do desespero. E agora, em seu desespero, eles se voltaram a um homem que não entendem completamente.Bruce: Criminosos não são complicados, Alfred. Nós temos apenas que descobrir o que ele [Coringa] quer.Alfred: Com todo respeito, Mestre Wayne, talvez este seja um homem que nem mesmo o senhor entenda completamente. Eu estava em Burma. Há muito tempo. Meus amigos e eu estávamos trabalhando para o governo local. Eles estavam tentando comprar a lealdade dos líderes tribais, subornando-os com pedras preciosas. Mas suas caravanas estavam sendo atacadas em uma floresta a norte de Rangoon por um bandido. Pediram-nos que cuidássemos do problema, então começamos a procurar pelas pedras. Mas, depois de seis meses, não encontramos ninguém que tivesse negociado com ele.
Bruce: Qual foi o problema?
Alfred: Um dia, encontrei uma criança brincando com um rubi do tamanho de uma tangerina. Ele estava jogando as pedras fora.
Bruce: Então, por que ele as estava roubando?
Alfred: Porque ele achou que era um bom esporte. Porque alguns homens não estão à procura de nada lógico, como dinheiro... Eles não podem ser comprados, ameaçados, convencidos ou dissuadidos. Alguns homens só querem ver o mundo queimar.
Basicamente o que Alfred menciona é o desejo de destruição por parte de algumas pessoas. Tal desejo nada tem de racional. É um impulso fanático. Mais do que a desordem e a anarquia, o que o Coringa persegue é a “desconstrução” como valor.
O Coringa é uma espécie de filosofo da Escola de Frankfurt pondo a teoria em prática, desenvolvendo o “trabalho do negativo” da dialética de Hegel. Para o “Palhaço do Crime”, não há sentido na vida e é esse o fator interessante a ser estudado e analisado.
No filme, já em sua parte final, o Coringa queria fazer um experimento sociológico como esses engenheiros sociais modernos, os quais implementando diversas medidas monstruosas, querem moldar a sociedade à sua imagem e semelhança. Mas o Coringa é mais direto.
Não usa a técnica do “sapo na água quente”, não camufla suas intenções destrutivas. Tampouco usa os rodeios intelectuais típicos e a retórica de um “mundo melhor”. Fala apenas que gostaria do mundo “menos hipócrita”, mostrando que todos são ruins como ele. O Coringa “filosofa” sobre sua própria decadência, e dessa forma, ele também tem um quê de Nietzsche.
Por fim, o filme “The Dark Knight Rises” apresenta as revoluções propriamente comunistas (ou o estágio avançado de qualquer revolução). O principal elemento aí é a “luta de classes” e a luta de “opressores e oprimidos”. Os revolucionários apresentam-se como libertadores quando são na verdade os maiores opressores, inversão que o artigo “Batman, o contra-revolucionário” muito bem aponta.
Por fim, o filme “The Dark Knight Rises” apresenta as revoluções propriamente comunistas (ou o estágio avançado de qualquer revolução). O principal elemento aí é a “luta de classes” e a luta de “opressores e oprimidos”. Os revolucionários apresentam-se como libertadores quando são na verdade os maiores opressores, inversão que o artigo “Batman, o contra-revolucionário” muito bem aponta.
A trilogia sob os pontos de vista histórico e sociológico, inclusive, deveria inverter o segundo filme com o terceiro, pois aí mostraria perfeitamente a “evolução” do movimento revolucionário: primeiro o Iluminismo e a ideia do “bom selvagem” de Rousseau, encarnada por Ra’s Al Ghul. Depois, o comunismo explícito de Bane e Tália (a empresária bilionária que fomenta a revolução, fazendo o papel de, digamos, uma “Rockefeller”), com tribunais revolucionários, destruição e mortes em massa. E agora a atual fase de “guerra cultural” e o culto da irracionalidade com o Coringa.
Por todas essas observações, considero a trilogia Batman de Christopher Nolan uma espécie de manual didático, um alerta contra as revoluções.
Por todas essas observações, considero a trilogia Batman de Christopher Nolan uma espécie de manual didático, um alerta contra as revoluções.
Comentário de Felipe Melo:
Muitas pessoas julgam que histórias em quadrinhos são um divertimento infantil, que em nada acrescenta à reflexão filosófica e que, ao invés de promover a compreensão do zeitgeist, servirá apenas para nos afastar de qualquer análise crítica da realidade. No entanto, esse pensamento é errôneo. Existem muitas graphic novels e histórias em quadrinhos que expressam de modo inequívoco o espírito desses nossos tempos “pós-modernos”.
A título de exemplo, podemos citar duas obras que, subrepticiamente, defendem as ideias revolucionárias que, partejadas pelos jacobinos, foram meticulosamente nutridas e desenvolvidas até os dias de hoje: “V de Vingança” e “Watchmen”, ambas de autoria do (excêntrico) britânico Alan Moore.
Em ambas as obras, a sociedade é mostrada como imersa num estado de decadência além de qualquer conserto, e os personagens buscam maneiras (auto)destrutivas em seu afã de combater essa sociedade decrépita: o anarcoterrorismo de V, o niilismo cínico do Comediante e a neurose obsessiva de Rorschach são emblemáticos. Vale lembrar que “Watchmen” está na lista “All-TIME 100 Novels” da revista americana Time.
Alan Moore é um grande entusiasta da mentalidade revolucionária - e de um visual bastante bizarro, para dizer o mínimo. Pagão assumido, é adepto de todas as ideologias da moda, como a hipótese Gaia, de James Lovelock (que recentemente abjurou sua pseudo-ciência neopagã), e defendeu ardorosamente o movimento Occupy Wall Street (OWS).
Em contrapartida, o escritor e quadrinista Frank Miller, responsável pela clássica graphic novel “O Cavaleiro das Trevas”, é o que se poderia chamar de hardcore conservative: além de a temática anti-revolucionária estar presente, de algum modo, em sua obra, ele pronunciou-se veementemente contra o OWS. Dessa forma, está longe de ser uma simplória forçação de barra a análise publicada acima. Muito pelo contrário: ela faz perfeito sentido e concordo com ela plenamente.
11 de outubro de 2012
Rodrigo Sias, Felipe Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário