Petistas em geral e blogueiros chapas-brancas em especial estão excitadíssimos desde que a “Folha de S. Paulo”, lídimo representante da mídia tradicional, publicou entrevista com o jurista alemão Claus Roxim, o teórico da tese do “domínio do fato”, em que ele diz o óbvio: não é possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um réu supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica.
A pergunta tinha endereço certo, a condenação do ex-ministro José Dirceu pelo STF por formação de quadrilha e corrupção ativa. Provavelmente Roxim não tem a menor ideia do que seja o julgamento do mensalão, e é claro que sua resposta não tem qualquer crítica à decisão do STF, mas os seguidores políticos de Dirceu tentaram espalhar a ideia de que o teórico do “domínio do fato” não condenaria o ex-chefe da Casa Civil.
O procurador-geral classificou José Dirceu como o homem que detinha o “controle final do fato”, o poder de parar a ação ou autorizar sua concretização. Com mais de três meses de julgamento, as provas testemunhais e indiciárias ganharam importância dentro desse processo, e o procurador-geral e a maioria dos ministros mostraram que há provas em profusão contra Dirceu.
Há testemunhas de que ele é quem realmente mandava no PT então (vários depoimentos de políticos que diziam que qualquer acordo feito com Delúbio Soares ou José Genoino só era válido depois que comunicavam a Dirceu por telefone); que a reunião em Lisboa entre a Portugal Telecom, Valério e um representante do PTB foi organizada por ele; há indícios claros da relação de Dirceu com os bancos Rural e BMG, desde encontros com a então presidente do Rural, Kátia Rabello, até o emprego dado à sua ex-mulher no BMG e empréstimo para compra de apartamento.
Outra resposta de Roxim representa, essa sim, discordância teórica com decisões tomadas pelo STF. Ele diz que “a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato.
O mero ter que saber não basta. Essa construção (“dever de saber”) é do direito anglo-saxão e não a considero correta”. Nesse caso, trata-se de mera opinião, disputa de escolas.
O presidente do STF, Ayres Britto, teve ocasião de explicitar com bastante clareza o método que estava sendo utilizado durante o julgamento: “(…) Prova direta, válida e obtida em juízo. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais, parlamentares e em processos administrativos abertos e concluídos em outros poderes públicos, como Instituto Nacional de Criminalística e o Banco Central da República”.(…) “Provas circunstanciais indiretas, porém, conectadas com as provas diretas.
Seja como for, provas que foram paulatinamente conectadas, operando o órgão do Ministério Público pelo mais rigoroso método de indução, que não é outro senão o itinerário mental que vai do particular para o geral. Ou do infragmentado para o fragmentado.”
Ontem, quando Dirceu foi condenado a dez anos e dez meses, Joaquim Barbosa deixou claro que “coube a Dirceu selecionar os alvos da propina. Simultaneamente, ele realizou reuniões com os parlamentares corrompidos e enviou-os a Delúbio e Valério. Viabilizou reuniões com instituições financeiras que proporcionaram as vultosas quantias.
Essas mesmas instituições beneficiaram sua ex-esposa”. Barbosa ressaltou que “o acusado era detentor de uma das mais importantes funções da República. Ele conspurcou a função e tomou decisões-chave para sucesso do empreendimento criminoso.
A gravidade da prática delituosa foi elevadíssima”. Para o relator, “o crime de corrupção ativa tem como consequência um efeito gravíssimo na democracia.
Os motivos, porém, são graves. As provas revelam que o crime foi praticado porque o governo não tinha maioria na Câmara. Ele o fez pela compra de votos de presidentes de legendas de porte médio. São motivos que ferem os princípios republicanos”.
A falsa polêmica não interferiu na decisão dos ministros, que reafirmaram ontem sua independência na discussão das penas para o núcleo político, condenando o ex-presidente do PT José Genoino a uma pena que, em princípio, será cumprida em regime semiaberto, ao contrário de Delúbio e sobretudo de Dirceu, que, considerado o “chefe da quadrilha”, teve pena maior. Os dois devem cumprir inicialmente as penas em regime fechado.
14 de novembro de 2012
Merval Pereira
Fonte: O Globo, 13/11/2012
A pergunta tinha endereço certo, a condenação do ex-ministro José Dirceu pelo STF por formação de quadrilha e corrupção ativa. Provavelmente Roxim não tem a menor ideia do que seja o julgamento do mensalão, e é claro que sua resposta não tem qualquer crítica à decisão do STF, mas os seguidores políticos de Dirceu tentaram espalhar a ideia de que o teórico do “domínio do fato” não condenaria o ex-chefe da Casa Civil.
O procurador-geral classificou José Dirceu como o homem que detinha o “controle final do fato”, o poder de parar a ação ou autorizar sua concretização. Com mais de três meses de julgamento, as provas testemunhais e indiciárias ganharam importância dentro desse processo, e o procurador-geral e a maioria dos ministros mostraram que há provas em profusão contra Dirceu.
Há testemunhas de que ele é quem realmente mandava no PT então (vários depoimentos de políticos que diziam que qualquer acordo feito com Delúbio Soares ou José Genoino só era válido depois que comunicavam a Dirceu por telefone); que a reunião em Lisboa entre a Portugal Telecom, Valério e um representante do PTB foi organizada por ele; há indícios claros da relação de Dirceu com os bancos Rural e BMG, desde encontros com a então presidente do Rural, Kátia Rabello, até o emprego dado à sua ex-mulher no BMG e empréstimo para compra de apartamento.
A falsa polêmica não interferiu na decisão dos ministros, que reafirmaram sua independência na discussão das penas para o núcleo político.
O mero ter que saber não basta. Essa construção (“dever de saber”) é do direito anglo-saxão e não a considero correta”. Nesse caso, trata-se de mera opinião, disputa de escolas.
O presidente do STF, Ayres Britto, teve ocasião de explicitar com bastante clareza o método que estava sendo utilizado durante o julgamento: “(…) Prova direta, válida e obtida em juízo. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais, parlamentares e em processos administrativos abertos e concluídos em outros poderes públicos, como Instituto Nacional de Criminalística e o Banco Central da República”.(…) “Provas circunstanciais indiretas, porém, conectadas com as provas diretas.
Seja como for, provas que foram paulatinamente conectadas, operando o órgão do Ministério Público pelo mais rigoroso método de indução, que não é outro senão o itinerário mental que vai do particular para o geral. Ou do infragmentado para o fragmentado.”
Ontem, quando Dirceu foi condenado a dez anos e dez meses, Joaquim Barbosa deixou claro que “coube a Dirceu selecionar os alvos da propina. Simultaneamente, ele realizou reuniões com os parlamentares corrompidos e enviou-os a Delúbio e Valério. Viabilizou reuniões com instituições financeiras que proporcionaram as vultosas quantias.
Essas mesmas instituições beneficiaram sua ex-esposa”. Barbosa ressaltou que “o acusado era detentor de uma das mais importantes funções da República. Ele conspurcou a função e tomou decisões-chave para sucesso do empreendimento criminoso.
A gravidade da prática delituosa foi elevadíssima”. Para o relator, “o crime de corrupção ativa tem como consequência um efeito gravíssimo na democracia.
Os motivos, porém, são graves. As provas revelam que o crime foi praticado porque o governo não tinha maioria na Câmara. Ele o fez pela compra de votos de presidentes de legendas de porte médio. São motivos que ferem os princípios republicanos”.
A falsa polêmica não interferiu na decisão dos ministros, que reafirmaram ontem sua independência na discussão das penas para o núcleo político, condenando o ex-presidente do PT José Genoino a uma pena que, em princípio, será cumprida em regime semiaberto, ao contrário de Delúbio e sobretudo de Dirceu, que, considerado o “chefe da quadrilha”, teve pena maior. Os dois devem cumprir inicialmente as penas em regime fechado.
14 de novembro de 2012
Merval Pereira
Fonte: O Globo, 13/11/2012
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