Imagine-se que nos Estados Unidos, diante da manutenção do controle da Câmara dos Representantes pelos republicanos, alguém na Casa Branca, assessor próximo ao presidente reeleito, preocupado com a “governabilidade”, montasse um esquema de compra de votos de deputados do partido adversário e, para agravar o crime, com dinheiro público desviado.
A justificativa seria a imperiosa necessidade de, antes de 31 de dezembro, chegar-se a um acordo com os republicanos para evitar que o país caia no “abismo fiscal”, um conjunto de cortes de despesas e aumento de impostos a serem executados na virada do ano.
Seria um escândalo maior que Watergate. Mas não ocorreria, e por uma razão: as instituições americanas desestimulam que sequer se planeje golpes como este. Num país em que homem público vai para a cadeia, há maior cuidado no manejo do patrimônio da sociedade, no sentido amplo do termo.
Pois a condenação do núcleo político da “organização criminosa” do mensalão pelo STF, com José Dirceu e Delúbio Soares cumprindo parte da pena em regime fechado, e José Genoíno em sistema semiaberto, coloca institucionalmente o Brasil nesta direção.
Ao rechaçar a tentativa golpista de subjugação de parte do Legislativo a um projeto de poder partidário, por meio de um esquema de corrupção, a Corte, em nome do Estado brasileiro, aproximou o país das democracias mais sólidas do mundo.
Para que existisse o mensalão, uma conspiração de grandes dimensões contra a democracia representativa, somaram-se dois ingredientes: o sentimento geral de impunidade e um projeto ideológico destilado por representantes da parcela autoritária da esquerda brasileira, guiada pelo famigerado princípio dos “fins que justificam os meios”.
São aqueles que lutaram no fim da década de 60/início dos 70 para substituir uma ditadura por outra que, ao chegarem ao poder pelo voto, como deve ser, imaginaram o Estado brasileiro fraco diante de um governo de alta popularidade. Enganaram-se.
Há vários desdobramentos da lição que vem sendo dada pelo STF. Um deles ocorre dentro do PT.
Certa militância, por óbvio, não digere a atuação da Corte como de fato guardiã da Constituição, independentemente do dono da caneta que no Planalto assinou a indicação de cada um dos 11 ministros.
O partido deve fazer a análise correta do que acontece neste julgamento, para não assumir uma postura arrogante, aventureira, de investir contra o Poder Judiciário e, por consequência, o estado de direito.
A presidente, por sua vez, indica compreender o sentido do julgamento. Semana passada, na Conferência Internacional Anticorrupção, Dilma Rousseff destacou que hoje, no Brasil, “prevenção e combate à corrupção são práticas de Estado”.
Não há interferência política — como no caso do STF e o mensalão. Deveria ser ouvida pelo partido que representa no comando do Executivo.
14 de novembro de 2012
Editorial, O Globo
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