Cada vez que me lembro da época da ditadura, mais eu me convenço que a grande maioria dos protagonistas da esquerda estava brincando de mocinho e bandido. Não é por nada não, mas eu fui colega de classe de dois desses “expoentes”, Alfredo Sirkis e Gustavo Schiller, e nada me convence que ambos tivessem maturidade, aos 16 ou 17 anos, para abraçar uma causa político-ideológica tão efetivamente, a não ser que estivessem brincando.
Vejam só a narrativa do “roubo
do cofre do Adhemar”, em 1969, que eu peguei aleatoriamente no Google, mas que é
fiel e séria. Gustavo, sobrinho da amante do Adhemar, tinha, então, 17
anos.
Aquele não
foi um roubo qualquer. A começar pela quantia, US$ 2,5 milhões depositados num
cofre de 300 quilos.
O homem que
reunira a fortuna? O ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, morto quatro
meses antes. Os ladrões? Guerrilheiros do grupo esquerdista VAR-Palmares, que
lutava contra a ditadura militar. Mas o mais interessante é que não foi prestada
queixa pelo sumiço da dinheirama. Foi como se ela nunca tivesse
existido.
O Roubo do
Cofre do Adhemar, como o episódio ficou conhecido, ocorreu em 18 de julho de
1969, dois dias antes de o homem pisar na Lua.
Naquela
tarde, 12 militantes do VAR-Palmares invadiram a mansão do cardiologista Aarão
Burlamaqui Benchimol, no bairro de Santa Teresa, no Rio de
Janeiro.
Objetivo:
colocar as mãos em um cofre, com dinheiro proveniente da “caixinha do Adhemar”,
que fora guardado no local pela irmã do médico e ex-amante do folclórico
político, Ana Gimol Benchimol Capriglione, conhecida nos círculos do poder como
“Doutor Rui”. Os guerrilheiros sabiam muito bem o que estavam fazendo, pois
planejaram a ação durante dois meses.
As
informações sobre o caixa dois de Adhemar foram obtidas por Juarez Guimarães de
Brito, o Juvenal, idealizador da Vanguarda Armada Revolucionária -VAR-Palmares,
ainda em fase de implantação.
A fonte era
quente: Gustavo Schiller, sobrinho de Ana e Aarão. O garoto estudava no Colégio
Andrews, no bairro Botafogo, e comentou com colegas* que o cofre com a “caixinha
do Adhemar” estava guardado na casa onde morava com seu tio. A esquerda armada
precisava de dinheiro, e Juarez achou que havia encontrado uma generosa fonte de
recursos para financiar atividades armadas contra o regime militar. Auxiliados
por integrantes do Comando de Libertação Nacional — Colina, que deram apoio
intelectual e ajudaram na obtenção de informações, os dois grupos idealizaram e
executaram a primeira ação da VAR-Palmares.
(*Aqui cabe
um adendo: não foi com colegas de colégio que ele
comentou)
Para fazer
o reconhecimento do terreno foi destacado Carlos Minc, então com 17 anos (Foi
deputado estadual no Rio pelo Partido Verde, e Ministro de Lula); Minc se fez
passar por pesquisador e saiu pelo bairro de Santa Teresa, de porta em porta,
questionando os moradores sobre as novelas que assistiam, quantos televisores
possuíam, e assim por diante.
Sem
despertar suspeitas, conseguiu autorização para chegar aos aposentos dos
Schiller, que dividiam o casarão número 2 da rua Bernardino Santos com a família
de Aarão. Lá, Minc foi recebido por Gustavo, que respondeu a todas perguntas e
até surpreendeu o militante disfarçado ao criticar as novelas. “Elas servem para
alienar os brasileiros”, teria comentado o garoto. Enquanto a conversa rolava,
Minc memorizava todos os cantos da casa, para depois desenhar um
mapa.
O assalto
foi marcado para 18 de julho de 1969. Às 15h daquele dia, três carros se
aproximaram do casarão, escondido no alto de uma colina e cercado por muros
altos. À frente, vinha um Chevrolet com cinco homens, entre eles Juarez
Guimarães e João Domingos. Trajando ternos pretos e armados com metralhadoras,
eles subiram a rampa de acesso à mansão e se identificaram como agentes da
Polícia Federal. Logo atrás, outros dois veículos: um Aero Willys azul e uma
Rural Willys, que transportavam outros seis militantes, também armados e
disfarçados de policiais.
Ao
porteiro, eles mostraram um mandado de busca e apreensão de “documentos contra o
regime”. Intimidado, o funcionário liberou a entrada. Em seguida, os
revolucionários obrigaram os serviçais, mais de 30 no total, a ir até a
biblioteca e lá os deixaram trancados, em companhia de Sílvio Schiller, pai de
Gustavo, que foi algemado. Foram, então, ao local onde estava o cofre: um closet
ao lado do escritório do cardiologista, no primeiro
andar.
O objeto
tão desejado pelos militantes da VAR-Palmares estava embutido numa
parede.
Com
marretas, conseguiram arrancá-lo. Para descê-lo até o térreo da luxuosa mansão,
superando os degraus da escadaria, os guerrilheiros levaram uma prancha
comprida, imaginando que sobre ela passaria um carrinho de mão contendo o
tesouro. Foi inútil. “A gente não imaginava que o cofre fosse tão pesado. Pelo
menos pesava a uns 300 quilos. Ficamos até com dó, mas tivemos de jogá-lo escada
abaixo, o que destruiu vários degraus, todos de mármore, daquela bela casa”,
relembra Darci, que em 1997 chegou a ser assessor da secretaria da Empresa
Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de
Bauru.
Com muita
dificuldade, os 10 assaltantes levaram o cofre até a Rural Willys. Haviam
passado os 30 minutos planejados para ação. “Com exceção do peso do cofre, tudo
aconteceu como havíamos planejado”, conta Darci.
A bordo dos
três carros, o grupo se afastou rapidamente e ainda contou com a “colaboração”
dos moradores da mansão. Como os esquerdistas tinham se identificado como
policiais, a Polícia só foi avisada do ocorrido no início da noite, quando o
cofre do Adhemar já estava em Jacarepaguá.
No trajeto
até o esconderijo, Darci, que era o responsável pela segurança do grupo,
demonstrou muita presença de espírito e frieza. Quando a Rural parou num farol,
no Centro do Rio, um policial estranhou o fato de o veículo estar arriado e
comentou:
“O que
vocês estão levando aí? Esse defunto está muito pesado!” Darci não deixou a
peteca cair: “É que nós roubamos um cofre e estamos levando para abrir e ver o
que tem dentro”. O policial acabou dando boas gargalhadas e liberou a passagem.
“Na hora, foi a única coisa que me ocorreu para falar. Ainda bem que deu certo”,
conta o ex-sargento.
Ao chegar a
Jacarepaguá, os revolucionários estavam excitados para abrir o cofre e confirmar
a informação sobre o dinheiro. Carlos Franklyn Araújo, o Max, (que se tornou
deputado no Rio Grande do Sul pelo PDT), havia trazido de Porto Alegre o
mecânico Jesus, conhecido por Mariozinho. O rapaz era um craque no manejo de
maçaricos de acetileno e logo começou a trabalhar.
Quando
Mariozinho terminou seu serviço, os militantes ficaram embasbacados. Realmente,
era muito dinheiro, mais do que poderiam imaginar. “Todos queriam comprar
cerveja e comemorar, mas eu disse que nossa missão ainda não tinha acabado.
Precisávamos contar todos os dólares e guardá-los num lugar mais seguro”,
relembra Darci Rodrigues.
Parte do
dinheiro, segundo ele, foi distribuída para o trabalho de campo dos grupos
clandestinos. O maior volume, contudo, saiu do Brasil. “A maior parte foi
entregue à Embaixada da Argélia. Depois, fui para exílio, em diversos países, e
não tive mais informações a respeito”, diz Darci, um ex-tucano que se tornou
simpatizante do Partido Popular Socialista, o PPS.
Com a
censura imposta pela ditadura, o assalto em Santa Teresa não teve muito destaque
na imprensa, o que deu espaço para o surgimento de várias
lendas.
Entre os
grupos de esquerda, por exemplo, falava-se que a VAR-Palmares teria roubado
apenas um dos muitos cofres de Adhemar, cuja “caixinha” somaria US$ 15 milhões.
O irônico é que a versão apresentada por Aarão Burlamaqui Benchimol à Polícia
foi a mesma usada pelos guerrilheiros para entrar na mansão. “Os ladrões
desprezaram joias e objetos preciosos, pois queriam documentos comprometedores”,
afirmou o cardiologista.
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