"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de abril de 2013

"BRINCANDO DE DESMONTAR A ORDEM INSTITUCIONAL"


Uma proposta “aloprada” da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deixa à mostra a leviandade com que certos projetos são arquitetados
Não nasceu sob um signo favorável a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal. Segundo o líder do PT na Câmara, José Guimarães, a proposta “não é assunto do partido, e a matéria não foi discutida na bancada”.

O presidente da Casa, deputado Henrique Alves , declarou que a decisão da Comissão de Constituição e Justiça foi “inusitada”, e que não instalará a comissão especial encarregada do assunto enquanto não tiver “uma definição muito clara do que é o respeito e a harmonia dos poderes”.

Sábias palavras, ecoadas pelo vice-presidente da República, Michel Temer, para quem “houve uma demasia. A palavra última há de ser sempre a do Poder Judiciário, especialmente em matéria de constitucionalidade”.

Entraram, assim, em ação os bombeiros, o que é consolador, mas sem que se desfaça totalmente o clima criado pela proposta “inusitada” da CCJ da Câmara. De um dia para a noite, sem discussão, tira-se da cartola uma armação destinada a tolher as ações do Supremo. Qual sua origem? Uma comissão da Câmara de que fazem parte dois “mensaleiros” e um político que, se sair do Brasil, será preso pela Interpol.

A PEC aprovada por unanimidade pela CCJ estabelece que, quando o STF declarar a inconstitucionalidade de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso, isso não produzirá efeito imediato. A decisão da Corte será submetida à apreciação do Congresso. Se deputados e senadores votarem contra a decisão do STF, recorre-se à consulta popular.

Assim, com uma penada, revoga-se o ordenamento jurídico do país, baseado na separação dos poderes, e entra-se no terreno da “democracia popular” tão estimada por esquemas como o chavismo e o kirchnerismo (que acaba de enfiar goela abaixo do seu Congresso uma proposta nesses moldes).

Não é preciso muito esforço (bastando examinar a composição da CCJ) para ver nessa proposta, que parece natimorta, mais um dos movimentos de reação ao julgamento do “mensalão”. Quer-se, de todos os modos, castigar o Supremo por ter cumprido o seu papel.

Um dos argumentos para isso é dizer que o Supremo vai além das suas atribuições. Uma das peculiaridades do nosso sistema institucional é uma Constituição detalhista, carregada de regulações que poderiam caber perfeitamente em leis ordinárias. Enquanto essa situação perdurar, o STF estará mesmo um pouco por toda parte, sobrecarregado de atribuições. Mas isso não lhe retira o papel de fiel da balança no jogo dos três poderes.

Basta examinar com cuidado o julgamento do “mensalão” para verificar que ali existiram, em doses generosas, o trabalho sério e o discernimento que parecem estar longe do alcance da CCJ da Câmara.

26 de abril de 2013
Editorial d'O Globo

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