"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

OPINIÃO DO ESTADÃO: A VOLTA POR BAIXO

 

O histórico da crise que atingiu Renan Calheiros em 2007
 


A partir de amanhã, salvo milagre, o Brasil se verá na vexaminosa condição de ter um presidente do Senado, portanto presidente do Congresso, portanto terceiro na linha sucessória da Presidência da República, denunciado pelo titular do Ministério Público ao STF.

Trata-se do notório Renan Calheiros, do PMDB alagoano. Em 2007, quando se tornou público que um lobista da empreiteira Mendes Júnior, em Brasília, bancava a pensão que o político pagava à ex-namorada com quem teve um filha, ele apresentou notas de venda de gado, com todas as características de serem frias, para provar que dispunha de recursos próprios para arcar com aqueles gastos.

É uma história sórdida como poucas na crônica de baixarias da política brasileira. Processado no Conselho de Ética do Senado, e com uma ação aberta contra ele no STF, foi absolvido pela maioria de seus pares, numa barganha que se consumou três meses depois, quando ele renunciou à Presidência da Casa.

Nesta sexta-feira, Renan deverá ser escolhido sucessor do atual titular do cargo, o seu fraterno companheiro José Sarney, para um mandato que irá até fevereiro de 2015.
Tem o apoio do PT e da base aliada, com o endosso da presidente Dilma Rousseff, por efeito de um acordo pelo qual o PMDB, tendo dado os seus votos a um petista, Marco Maia, para presidir a Câmara dos Deputados em 2010, ficou com o direito de chefiar as duas Casas do Congresso neste biênio.

O nome do candidato para a Câmara, o atual líder peemedebista Henrique Eduardo Alves, era conhecido desde sempre, a despeito de sua folha corrida. Ele inclui, notadamente, a acusação de manter R$ 15 milhões em contas secretas no exterior — o que lhe valeu ser despejado da posição de vice a que aspirava na chapa do tucano José Serra, no pleito presidencial de 2002.

Já a volta por baixo de Renan foi tramada em surdina: para se ter ideia, até ontem nem sequer assumira a candidatura — para se "preservar". Por isso também andou se acoitando nos seus cafundós.

Faltou combinar com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Na sexta-feira passada, finalmente se manifestando no inquérito aberto no STF, o denunciou. Não se conhecem os detalhes da peça acusatória — a ação corre em segredo de Justiça.

Gurgel se limitou a informar que "os fatos têm relação com aquele momento em que o senador pretendeu comprovar a origem de sua renda". Ele considera "extremamente convincente" a denúncia. "Foi uma iniciativa ponderada e refletida com o máximo cuidado."
Fundamenta-se em relatórios de inteligência financeira e informações da Receita Federal. Gurgel nega enfaticamente que a apresentação da denúncia, uma semana antes da votação no Senado, tenha sido premeditada.
As suas minuciosas explicações sobre o trabalho realizado e o tempo consumido, com o prolongado intervalo exigido pelo processo do mensalão, deveriam silenciar as insinuações de correligionários de Renan, que dizem "estranhar" a coincidência.

No estrito plano jurídico, é improvável que a denúncia produza consequências enquanto o denunciado exerça a mais alta função do Legislativo federal. Politicamente, porém, não deixa de ser uma pancada. Não suficientemente forte, no entanto, para que desista da candidatura, como pregam o senador peemedebista dissidente Jarbas Vasconcelos e o petista Eduardo Suplicy — embora este tenha ressalvado que votará em Renan se ele ficar até o fim.

A bancada tucana está dividida entre os que defendem o voto em um dos candidatos alternativos (Pedro Taques, do PDT de Mato Grosso, e Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá) ou a abstenção, e aqueles que acham que não vale a pena perder a 1ª Secretaria da Mesa Diretora que lhe foi prometida.
Dias atrás, para marcar posição, o presidenciável do PSDB, senador Aécio Neves, pediu ao PMDB que indique um nome que teria o consenso da Casa para que ela "inicie uma nova fase".

Manda o acabrunhante retrospecto que nada se espere da caciquia que controla o Senado e faz o jogo do Planalto. Não foi o patriarca da confraria, José Sarney, o dos atos secretos, o primeiro a dizer que a "nova fase" começou com ele?

31 de janeiro de 2013
 

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