"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 12 de janeiro de 2013

QUERIDA, VOU COMPRAR CIGARROS E JÁ VOLTO

... de Mariano Cohn e Gastón Duprat
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Grande diferencial do filme é o seu roteiro (Fonte: Reprodução/Divulgação)
 Crítica de cinema
Realismo fantástico no cinema
Esse filme argentino de nome comprido é bem diferente dos seus hermanos que apareceram por aqui em 2012. Não se trata de um filme político, ou de um exercício artístico experimental, ou mesmo de uma comédia inteligente, recheada de sacadas cinematográficas.
Querida, vou comprar cigarros e já volto é um filme sujo; sujo no sentido de que sua estética — com cortes, movimentos de câmera, e atores feios –, parece meio desleixada. E é. Tal como a vida, esse filme é imperfeito, e mostra bem a diferença de algo programado, idealizado, para a própria imprevisibilidade do cotidiano.

O grande diferencial do filme, que é dirigido por dois diretores, é o seu roteiro: absolutamente genial! O que faríamos se a oportunidade de viver nossa vida, de novo, se apresentasse? É isso o que acontece com Ernesto, um senhor super frustrado, que ao final de sua vida, sente tê-la desperdiçado por completo.

Então uma espécie de Mefistófiles, um homem com poderes mágicos, que sobreviveu ao ser atingido por dois raios, aparece e escolhe o nosso herói para viver uma experiência singular: ele pode voltar no tempo, em qualquer momento que escolher em sua vida, com a mentalidade e o conhecimento que já tem, para viver por dez anos em uma vida paralela. O que parece uma oferta maravilhosa, rapidamente se torna um problema, pois Ernesto sofre as graves consequências de seus atos, tanto egoístas como altruístas.

Se você retorna alguns anos em sua vida, tem o poder da previsibilidade, ao menos algum poder; e o que pode fazer com ele? Impedir uma grande tragédia? Compor uma música de sucesso para ficar rico e famoso? Tudo é possível quando se entra nesta espécie de máquina do tempo, onde nossa consciência atual incorpora o nosso corpo mais jovem, no período de tempo escolhido pela pessoa.

Existe porém o perigo da imprevisibilidade, pois por mais que possamos prever o que vai acontecer, isso foge ao nosso controle. Assim, Ernesto é agraciado com esse dom, e sofre as maiores provações e desgraças, que ficam marcadas de forma indelével em sua consciência.

O filme parte de uma ideia própria da tradição argentina, de realismo fantástico, bem de acordo com Jorge Luis Borges, Bioy Casares e Cortázar. Como se não bastasse a inventividade do roteiro, ainda temos algumas cenas, dentro desse espírito nonsense, onde uma espécie de psicanalista-filósofo comenta os episódios da vida de Ernesto.

Independente da inventividade do roteiro, o que fica para o espectador é a capacidade que temos de compor a nossa própria vida, que tal como uma bola de neve, descendo a ladeira, vai aumentando sem parar: é a nossa memória, sendo alimentada pelas experiências do dia a dia.

Essa ideia, da vida como obra de arte, onde nós mesmos podemos criá-la, remete a Plutarco, historiador romano do século I, que vem sendo valorizado pela historiografia contemporânea.

Ao escrever as diversas biografias do seu monumental Vidas Paralelas, Plutarco evidencia que alguns pequenos detalhes da vida dos homens, ignorados muitos vezes pela história, podem ser mais relevantes para mudar o mundo do que os grandes acontecimentos.

http://www.youtube.com/watch?v=GswLDohL3yI&feature=player_embedded

12 de janeiro de 2013
Francisco Taunay

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