Durante as férias da virada, sob os eflúvios da leitura de Thomas Jefferson: The Art of Power, de Jon Meachan, anotei os meus Desejos de Ano Novo:
que o escravo brasileiro descubra, enfim, que transformar-se ele próprio no capitão-de-mato, no feitor, ou dar um jeitinho de cair nas graças do senhor e ir trabalhar na Casa Grande não é a única alternativa possível para a escravidão;
que mesmo a latinidade ilustrada descubra, enfim, que a socialização do privilégio e a servilização de toda uma geração por outra, que resulta da mentira do wellfare state, não é a única alternativa possível para o modelo feudal onde um numero proporcionalmente menor de senhores vivia às custas de uma quantidade proporcionalmente maior de servos;
que nós todos, latino-americanos e latino-europeus, encaremos a verdade histórica das nossas “revoluções” que nunca revolucionaram nada porque o desafiante é sempre um secreto admirador do desafiado que assume os seus discursos e as suas práticas assim que o substitui no poder e a única pena dos explorados é não estar na posição dos exploradores e, assim, deixemos, enfim, de trocar reis por imperadores, czares brancos por czares vermelhos, ditadores verde-oliva por ditadores cor-de-rosa e de nos substituirmos eternamente nos papéis de sodomitas e sodomizados;
que nós admitamos todos, em voz alta, a verdade essencial que vivemos no dia a dia e reconhecemos em pensamento: que não existe “almoço grátis”, nem poucos nem muitos, e que, portanto, a única revolução real produzida pela humanidade é a que pode ser sintetizada na máxima “nenhum poder e nenhum dinheiro que não seja resultado do esforço e do mérito individuais”.
Já entrado o Ano Novo, posta a lista diante da trajetória invertida dos índices de popularidade deste governo em face da avalanche de revelações sobre a podridão do petismo, senti que ficou faltando a desculpa que a tornasse menos naïve.
Apelei para Darwin.
Não, o brasileiro não é intrinsecamente corrupto. O que há são 500 anos de vitórias da injustiça e da impunidade, e isso cria um sistema de seleção negativa.
Se o único caminho para o “sucesso” é a posse do chicote ou o baronato do BNDES, sempre aparecerão os “vencedores” dispostos a segui-lo sem mais perguntas. Mesmo assim a esperança rebrota ao menor sinal de umidade. Pois não é a confusão que se faz dela com uma “faxineira” que detonou a ascensão da popularidade da ilustre desconhecida e nada sexy Dilma Rousseff, mesmo numa conjuntura econômica periclitante? Não é daí que vêm as intenções de voto em Joaquim Barbosa de mais de 10% de um eleitorado ao qual ele nunca sequer se apresentou?
Esse pensamento quase me confortou…
Mas o que dizer do pânico desses Estados Unidos goldmansachsenizados e seus infindáveis quantitative easings para esticar o banquete grátis dos gaviões de Wall Street às custas da proletarização da única sociedade de classe média genuinamente self made que a humanidade produziu?
E das notícias de hoje dando conta de que Basiléia, a “polícia dos bancos”, também aderiu aos bandidos?
Foi profético o visionário Thomas Jefferson quando, ha 200 anos, viu na criatura de seu arqui-inimigo Alexander Hamilton, inventor do sistema financeiro americano, o ovo da serpente que poderia matar a revolução que ele ajudara a começar…
Sim, é possível que a História venha a registrar mais esta Primavera da Democracia, que deu sua última florada com o enfrentamento do poder do Capital pelo poder do Estado na cruzada antitruste dos meados do século 20, como um terceiro hiato de exceção na trajetória da servidão humana, a ser cultuado como mais uma Grécia e mais uma Roma longínquas ao longo de uma nova idade de trevas que esteja por vir.
Mas isso não alterará em nada as verdades que se confrontam nesta saga.
Haverá sempre um Renascimento.
Posicionar-se em relação a essa luta – nos momentos de luz ou nos momentos de trevas, pouco importa – tem sido, em todos os tempos, a essência efervescente da aventura humana.
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