"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

"AGÊNCIAS REGULADORAS E O GOVERNO LULA"



Há, ainda, no mundo, agências que regulam outros tipos de atividades, mas sempre com a característica de serem entidades independentes do poder público, e em que os cargos de direção têm mandatos fixos.

No Brasil, elas foram instituídas no governo de Fernando Henrique Cardoso para atuar em atividades estatais recém-privatizadas ou recém-abertas à participação de capitais privados. Anatel (telecomunicações), ANP (petróleo) e Aneel (energia elétrica) são casos típicos.

A Anac (aviação civil) substituiu o DAC (Departamento de Aeronáutica Civil), um departamento esclerosado do Ministério da Aeronáutica, sem condições de trabalhar na regulação de um setor difícil e necessitado de mudanças radicais, para haver efetiva competição, em benefício dos usuários, mas dentro das necessariamente rígidas normas de segurança.

Ao assumir, em 2003, porém, o presidente Lula logo criticou o modelo das agências: considerou-as um instrumento de “terceirização” do poder do governo. Não entendeu — ou não quis entender — como o sistema funciona. Os governos podem e devem planejar, investir, definir as regras do jogo. Aplicá-las, fiscalizar o cumprimento dos contratos, defender o interesse do usuário, mas sem que o negócio seja oneroso para o concessionário privado, nem o Estado, isso cabe à agência.

Mas o objetivo do lulopetismo era outro. Dentro de uma clássica visão política de centralização, era inconcebível a relativa autonomia das agências. Aos poucos, o governo as sufocou, via cortes orçamentários, e terminou vencendo: as agências acabaram, na prática, convertidas em antigas autarquias ministeriais.

Retrocedeu-se na administração pública. E o governo pôde, então, colocar as agências na ciranda do aparelhamento da máquina pública, com nomeações feitas a partir de critérios ideológicos e afinidades pessoais (sem qualquer atenção com a qualificação profissional e ética do nomeado).

O despreparo técnico da Anac, já aparelhada, na crise do “apagão aéreo”, iniciada em fins de 2006, ficou evidente. Foi patético, e arriscado. No aspecto ético, há pelo menos um exemplo, o da desenvoltura demonstrada pela chefe de gabinete da presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, nomeada por Lula, no tráfico de influência junto a agências. Tendo indicado os irmãos Paulo e Rubens Vieira para as agências de água (ANA) e Anac, Rose pôde praticar lucrativa advocacia administrativa.

Foi nisto que resultou a subjugação das agências a interesses privados, de partidos e de grupos, que transitam em Brasília.

12 de fevereiro de 2013
Editorial d'O Globo

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