Há quem julgue que minhas repetidas críticas à Igreja Católica decorrem de algum trauma de minha adolescência, quando era católico. Nada disso. É claro que tive noites de pânico com as ameaças de inferno e purgatório e sofri o que hoje considero um atentado aos direitos humanos, a humilhação da confissão. Mas tudo isso passou e não deixou nem mossa em meu espírito.
Concentro as críticas na Igreja Católica, porque é a Igreja que está no poder. Não foram evangélicos nem judeus nem espíritas que criaram a Inquisição. Foi a Igreja Romana. Não foram evangélicos nem judeus nem espíritas que criaram o PT, que apóiam e sustentam a guerrilha dos sem-terra. É a Igreja Católica. Não são evangélicos nem judeus nem espíritas que estão caindo como abutres sobre a menina de Alagoinha, sua família e os médicos que a salvaram. É a hierarquia da Santa Madre.
Isso sem falar em Sua Santidade. Há horas quero esquecer o pastor alemão, mas ele não me dá esse prazer. Alguns papas já passaram por minha vida e confesso jamais ter visto padre tão inábil, déspota e mesmo ignorante dos artigos da fé que devia conhecer a fundo. Os leitores que me perdoem, mas não posso deixar passar de mão beijada a última sandice do Sumo Fazedor de Pontes. O que mais tem feito, em verdade, são muralhas que cada vez afastam mais a barca de Pedro de nossa era.
Segundo o Bento, o problema da Aids não pode ser resolvido pela distribuição de preservativos e o uso destes só serve para agravar o problema. Disse isto no vôo que o levava a Iaundé, capital do Cameroun – que a imprensa brasileira insiste em traduzir por República dos Camarões – justo um dos países africanos mais devastados pela peste. Há dois anos, os infectados somavam 510 mil, contra 43 mil em 2004. Não por acaso, o Cameroun é um país de forte influência católica, onde esta religião é professada por 40% de seus nacionais.
Dos 39,5 milhões de acometidos pela doença no mundo, 25 milhões estão na África subsaariana. (Estes dados são de 2006). Desde há muito se sabe que a propagação da Aids no continente negro se deve em boa parte à influência da Igreja, que proíbe a seus fiéis o uso de preservativos. O cachimbo entorta a boca. Habituado a professar dogmas e convicções na base do credo quia absurdum, não soa estranho a Bento um absurdo a mais ou um absurdo a menos.
Desta vez, exagerou. Se o fato de desexcomungar um negacionista – que tinha sido excomungado não por ser negacionista, diga-se de passagem - provocou celeuma no mundo todo, com esta declaração o papa chegou perto da unanimidade. É muito fácil afirmar que Deus é três em um ou que Maria é virgem. Não há como fazer perícia. Já afirmar que preservativos só servem para agravar o problema da Aids é bem mais complicado. Sua Santidade desafia a medicina e o bom senso. Fora a Cúria Romana e alguns gerontes da hierarquia vaticana, que por dever de ofício devem apoiar o papa, ninguém endossa esta grossa potoca do Bento.
Em reportagem do Libération, os protestos se acumulam. Para Béatrice Luminet, responsável pela Médecins du Monde, esta palavras são “gravíssimas quando se vê o impacto que este tipo de mensagem pode ter na África, onde vivem dois terços dos soropositivos do mundo. Elas terão evidentemente um impacto em termos de perturbação das mensagens de prevenção, particularmente sobre o continente africano onde o catolicismo é mais influente. Pregar a abstinência é fora da realidade”.
Os comunistas há décadas andam de namoro com o Vaticano, mas o secretário nacional do Partido Comunista Francês (PCF) foi mais longe: “as palavras pronunciadas pelo papa para inaugurar sua primeira viagem ao continente africano podem ser qualificadas de irresponsáveis e criminosas”. Para Jean-Luc Romero, presidente de uma associação francesa contra a Aids, se trata de “uma mensagem de morte endereçada aos africanos”. Já Alain Juppé, ex-primeiro-ministro francês e católico praticante, considera que “este papa começa a ser um verdadeiro problema, pois vive em uma situação de autismo total”.
Em verdade, a culpa não é exatamente do Bento, mas da ojeriza secular ao corpo e ao prazer nutrida pela Igreja Católica. João Paulo II preconizava o mesmo. Desde há muito defendo, para espanto de muitos leitores, a denúncia da política vaticana ao Tribunal Penal Internacional ou à Corte de Haia. Porque o que a Igreja de Roma está promovendo, em bom português, chama-se genocídio.
Impávido, isolado na torre de marfim vaticana, Bento XVI só vê a abstinência e a fidelidade conjugal como solução à Aids. Aposta numa inexistente condição angelical do ser humano e quer conduzir os sofridos africanos a uma morte atroz.
12 de fevereiro de 2013
janer cristaldo
* 18/03/2009
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