"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 9 de fevereiro de 2013

DESASTRADO, MANTEGA FALA EM PISO PARA O DÓLAR E AGITA MERCADO

 
Mantega fala, dólar cai e BC volta a atuar. Ministro citou piso de R$ 1,85 para cotação da moeda americana e mercado forçou queda, atacada depois pelo BC. Governo diz que valor deve ficar em torno de R$ 2; investidores veem confusão e falta de sintonia na equipe econômica

MARIANA CARNEIRO, VALDO CRUZ E SHEILA D'AMORIM - FOLHA DE SÃO PAULO

A preocupação do Banco Central com a inflação e uma declaração do ministro Guido Mantega (Fazenda) -interpretada como indicação de que o governo poderia permitir uma queda maior do dólar- derrubaram a cotação da moeda americana no início do dia de ontem. Isso levou o BC a nova intervenção para recuperar a cotação.

O estopim foi uma resposta de Mantega sobre o câmbio, durante uma entrevista: "O ideal é que não houvesse intervenção, mas isso é sonho. Agora, se houver de novo uma tendência especulativa, se o pessoal se animar: 'Vamos puxar esse câmbio para 1,85', aí estaremos de novo intervindo".

No mercado, a declaração soou como sinal de que havia espaço para a cotação do dólar -então ao redor de R$ 1,97- cair ainda mais. E o dólar recuou para R$ 1,95.

REAÇÃO DO BC

Como reação, o BC fez uma operação equivalente à compra de moeda, e o dólar subiu para fechar a R$ 1,972 (comercial) e R$ 1,971 (à vista).

Para Tarcísio Rodrigues, da corretora Socopa, Fazenda e BC pareciam fora de sintonia.

"A sensação é que o BC entrou para arrumar a casa."

O curioso é que, há uma semana, era a autoridade monetária que produzia uma queda do dólar.

"A política cambial está confusa. Há uma bola dividida no governo, entre os que acham que o dólar deve subir para ajudar o crescimento e os que acham que o dólar deve cair, para debelar a inflação", diz Newton Rosa, da SulAmérica Investimentos.

A indefinição vem desde o ano passado, quando o governo passou a alterar a forma de conduzir a política econômica.

NÚMERO ALEATÓRIO

Ao longo do dia, assessores próximos ao ministro da Fazenda se apressaram em desfazer a aposta de baixa do dólar, afirmando que o governo não irá permitir desvalorização especulativa da moeda americana.

Segundo interlocutores, Mantega citou a cotação de R$ 1,85 aleatoriamente e, na sua avaliação, um dólar perto de R$ 2 tem sido satisfatório para o setor produtivo, sem prejudicar a inflação.

Já o BC, dizem diretores da instituição, conta com um dólar estável neste ano, sem altas elevadas como em 2012.

O objetivo é impedir uma alta de preços -o BC está preocupado com a inflação, principalmente depois da aceleração em janeiro.

No mercado, esse cenário está sendo interpretado como um indicativo de que o BC defenderá uma nova banda de variação do dólar -mais baixa, entre R$ 1,95 e R$ 2.

No mercado de juros futuros, a aposta ainda é de uma possível alta da taxa neste ano, embora a presidente Dilma Rousseff pretenda manter os juros baixos.


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Guido Mantega disse que governo pode reativar intervencionismo no câmbio (Ueslei Marcelino/Reuters)

Em apenas dois dias, o governo brasileiro conseguiu minar de maneira preocupante a credibilidade da economia aos olhos mercado num momento em que o Brasil tenta atrair investidores de longo prazo para os projetos de infraestrutura. Há duas razões primordiais para a piora da percepção externa em relação ao Brasil. Primeiro, a inflação de janeiro recém divulgada.

E, em seguida, pela política de câmbio falsamente flutuante que está em curso. Não bastassem esses dois fatores, ainda há o desalinho de mensagens emitidas pelo Banco Central e o Ministério da Fazenda para justificar a deterioração dos pilares econômicos que sustentam a economia.

O mercado não sabe o que esperar do Brasil. Segundo o jornal britânico Financial Times, o país se tornou “um enigma”. Já o Wall Street Journal publicou um artigo nesta sexta-feira afirmando ser impossível encontrar um meio termo entre as informações desencontradas enviadas pelas autoridades brasileiras.

A inflação (de 0,86% em janeiro) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na quinta-feira mostrou-se acima das estimativas, elevando a preocupação do mercado em relação à capacidade de o governo conseguir domar a alta dos preços.

No acumulado de 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 6,15%, o que mostra que o governo deixou de mirar o centro da meta de inflação, que é de 4,5%, e tem admitido porcentuais maiores na expectativa de impulsionar o crescimento econômico.

“Há uma clara tolerância em relação à inflação no Brasil. Já começa pelo nível alto que está no centro da meta (de 4,5%), enquanto em países como o Chile, Colômbia e México, é de 3%, e no Peru, 2%”, afirmou o economista-chefe do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, em comunicado enviado na última semana.

Na mesma quinta-feira, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, demonstrou inquietação com a alta persistente do indicador, mas avisou que não prevê utilizar a taxa de juros como forma de equalizar esse mal. “A inflação nos preocupa a curto prazo, está mostrando uma resiliência forte, mas não é o caso de descontrole inflacionário. A nossa expectativa é que ela continue pressionada no primeiro semestre”, disse Tombini em entrevista à jornalista Miriam Leitão.

Com a queda da Selic descartada no curto prazo, uma forma lógica de viabilizar a desaceleração do IPCA seria a desvalorização do dólar – ideia que ganhou força em meados de janeiro quando o BC começou um movimento intensivo de venda de contratos de câmbio no mercado futuro, fazendo com que a moeda americana saísse do patamar de 2,10 e recuasse para menos de 2 reais em duas semanas.

Na manhã desta sexta-feira, após a fala de Tombini sobre a Selic e a inflação, o dólar chegou a bater 1,95 real (menor cotação em mais de nove meses), incomodando o ministro da Fazenda, Guido Mantega – indivíduo que, em teoria, não tem como função atuar na política cambial, e sim na fiscal.

Mantega, em seguida, veio à publico dizer que não deixará o dólar cair para algo próximo de 1,85 real – ignorando que a flutuação cambial é a política oficial adotada pelo governo desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso.

O ministro ameaçou ainda retomar todas as medidas de protecionismo alicerçadas no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que fizer o capital estrangeiro fugir do Brasil no último ano e que estavam sendo desfeitas pelo próprio governo devido, justamente, ao baixo nível de investimento verificado na economia brasileira em 2012.

"O ideal é que não houvesse intervenção, mas isso é sonho. Agora, se houver de novo uma tendência especulativa, se o pessoal se animar: 'vamos puxar esse câmbio para 1,85', aí estaremos de novo intervindo", disse o ministro. "Posso comprar mais reservas e posso reconstituir os IOFs (que foram reduzidos)”.

Segundo o analista da Economist Intelligence Unit (EIU), Robert Wood, tal movimentação desconexa amedronta ainda mais o investidor estrangeiro – exatamente quando o governo quer estimular o oposto.

“As empresas que estavam esperando um período de estabilidade na taxa de câmbio em torno de 2 reais, agora se deparam com incertezas. E os últimos dados de inflação também devem atrasar ainda mais as decisões de investimento no Brasil”, afirma.

09 de fevereiro de 2013
 

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