O escritor equatoriano Francisco Febres costuma dizer que governo chato é aquele que respeita a democracia. A soberba, a prepotência e o abuso de poder de um governante são os insumos básicos da sua caricatura.
Tiranetes burlescos habitualmente fracassam em sua cruzada contra a ironia inteligente, aquela que incita ao riso pela exposição do ridículo. Rafael Correa, presidente do Equador, acaba de perder mais uma dessas batalhas.
No país onde a caricatura política é celebrada como uma forma de arte, os leitores do jornal “El Universo”, de Guayaquil, foram surpreendidos pela ausência do traço de Bonil, ou Xavir Bonilla, um dos melhores de sua geração.
No lugar do habitual quadrado de humor gráfico, encontraram uma longa carta do presidente da República com múltiplas ameaças de processo judicial por "violação da memória histórica" em uma charge.
Pouco tempo atrás, Correa processou um colunista do mesmo jornal e pelas mesmas razões. Com o Judiciário sob controle, logo conseguiu sentença favorável a uma indenização de US$ 40 milhões. O presidente do Equador é candidato e, provavelmente, será reeleito no próximo dia 17.
Bonil retrucou com escárnio, dias depois, no seu blog: "Acusado de ‘violação da memória histórica’, demorei a subir este post porque estava buscando em qual parte do Código Civil ou Penal se encontra esse delito…" Na charge, ironizava a obsessão de Correa em passar à História como vítima de uma rebelião de policiais em Quito há três anos.
E, sarcástico, lembrava que o vice do presidente-candidato, Jorge Glass, é um plagiador: sua tese de graduação universitária contém uma dezena de páginas copiadas de um portal estudantil, sem citar origem e autores.
À renovada apoplexia presidencial, o escritor Febres reagiu: "Esse comunicado é uma maravilha e só posso dizer: obrigado, senhor presidente, porque está nos alimentando com todos os seus achincalhes."
Se a realidade é trágica e supera a ficção, é melhor rir. Na Venezuela, país onde predominam as ausências - de Hugo Chávez ao pão na padaria -, o toque de humor cotidiano é dado pelo site Chiguire Bipolar. A escalada de violência urbana levou o "Chiguire" à seguinte manchete nesta sexta-feira: "Top 10 - as dez melhores cidades para ser assassinado na Venezuela."
A listagem, advertiu, é produto da "inexplicável e imensa alegria que nos produz viver em meio a este pandemonio". Acrescentou: "Não nos culpem, culpem aos que não fazem nada e permitem que isso seja assim."
Na Argentina, onde a violência política compete nas estatísticas com o crime comum, a revista “Barcelona” chega amanhã às bancas de Buenos Aires com uma capa estridente: "INTOLERÂNCIA - Porque custa tanto a nós, argentinos, respeitar os FDP que pensam diferente".
Mais ao norte, em La Paz, o jornalista boliviano Alfredo Rodríguez anuncia uma nova edição do seu livro "Evadas, cem frases de Juan Evo Morales Ayma para a História".
É o registro do pensamento vivo do presidente boliviano, que diz coisas assim: "Estar submetidos às leis é prejudicar-nos. Não importam nossos atos, ainda que digam que sejam inconstitucionais nossos decretos… Creio que não há que esperar por leis, há que seguir trabalhando com decisões políticas e, se acusarem de inconstitucionais os nossos decretos, será o povo que julgará. E dessa maneira seguiremos identificando os inimigos que não querem a mudança."
Evo Morales nunca esconde o que pensa. Outros fazem uma opção preferencial pela amnésia, como é o caso de Lula em relação ao mensalão.
Todos contribuem para a perene renovação do humor político, estejam no palanque ou na cama de um hospital, tentando preservar a "memória histórica" ou simplesmente negando-a.
Dias atrás, por exemplo, Lula foi a Cuba "visitar" Hugo Chávez, cuja ausência está completando dois meses. José Simão, colunista da "Folha de S.Paulo", registrou: "Pensamento do dia no Twitter: Lula se faz de morto, Chávez de vivo."
09 de fevereiro de 2013
José Casado, O Globo
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