Bem que o povo ensina: quem sai aos seus não degenera. O deputado federal Renan Filho, 33 anos, o mais votado dos candidatos alagoanos em 2010, depois de ter sido, como o avô e um de seus sete tios, prefeito de Murici, reduto do clã Calheiros, teve com quem aprender, e soube aprender depressa, que o nosso é apenas nosso, e que o dos outros é nosso também - a regra de ouro do patrimonialismo.
Mal o seu pai se elegeu pela segunda vez presidente do Senado, sob denúncia do Ministério Público Federal por peculato, falsidade ideológica e utilização de documentos falsos, Filho ingressou no noticiário político pela via escusa e geralmente desimpedida da apropriação de bens públicos.
No caso, as chamadas verbas indenizatórias com que o Congresso banca os gastos de seus membros com itens vinculados ao exercício de seus mandatos, como passagens aéreas, comunicações e aluguel de escritórios políticos - o que já de si é uma exorbitância.
Ontem, enquanto ainda ecoavam os gritos de "ladrão", "safado" e "sem-vergonha" que na véspera acompanharam Renan pai na subida da rampa do Congresso, este jornal revelou que o seu primogênito usou pelo menos R$ 190 mil daqueles recursos para pagar honorários de advogados de ambos, em causas privadas nas esferas cível e trabalhista.
Não é de hoje: a lambança vem do início de 2011. Desde maio desse ano, R$ 10 mil pingam mensalmente nas contas do escritório Omena Barreto Advogados Associados, com sede em Maceió.
A fonte pagadora, indiretamente, é a Câmara dos Deputados - o contribuinte, portanto. E há o clássico "pequeno detalhe". Conforme os registros da Receita Federal, o escritório foi fundado no mesmo mês em que começou a receber a mesada, apurou o repórter Fábio Fabrini.
Um de seus sócios, Rousseau Omena Domingos, tem procuração de Renan Filho para representá-lo no processo em que o deputado cobra indenização por danos morais e materiais do consórcio do qual adquiriu um veículo que não consegue vender porque a firma não levantou as restrições ao negócio - um caso pessoal e trivial. Rousseau, o advogado, não tem procuração para defender o político em nenhuma ação judicial que eventualmente envolva a sua atividade parlamentar.
O deputado nega ter usado a verba indenizatória para custear os honorários do patrono. Alega que a utilizou, mas para remunerar o escritório por "serviços de consultoria e assessoria parlamentar na elaboração de projetos e relatórios", publicados no site da Câmara.
As respectivas notas fiscais foram apresentadas. (Em 2007, Renan pai apresentou notas fiscais de supostas vendas de gado a fim de provar que tinha recursos próprios para arcar com o pagamento de pensão à ex-namorada com quem tem uma filha, não necessitando dos préstimos do lobista de uma empreiteira para aquele fim. As notas são frias, sustenta o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.)
Também no início de 2011, outro advogado de Maceió, José Marcelo Araújo, recebeu do gabinete de Renan Filho R$ 20 mil. No ano anterior, ele defendera no Tribunal Regional do Trabalho do Estado uma empresa de agropecuária da qual o seu pai é sócio. Na ação, uma trabalhadora rural alegou que prestara serviços à fazenda dos Calheiros com vínculo empregatício. A firma ganhou a causa.
Filho se recusa a dar explicações sobre a atuação do advogado no caso. "Ele trabalhou para outra pessoa", desconversa, aludindo ao pai. "Imagine se, quando você contrata (um advogado), tem de checar se prestou serviços para alguém", como se isso tivesse alguma relação com a procedência do dinheiro destinado aos seus honorários.
Com a sua pouca idade, o deputado segue a senda do senador em quem se inspira na prática da embromação. No seu site, se lê que ele "já manifestava sua vontade de melhorar a vida das pessoas" quando se elegeu duas vezes presidente do centro acadêmico da faculdade de economia da UnB, onde se formou.
Como prefeito de Murici, também eleito duas vezes, preocupou-se "com o bom uso dos recursos públicos". Parece o pai, ao reassumir a presidência do Senado, dizendo que "a ética é meio, não é fim" e "obrigação de todos nós".
09 de fevereiro de 2013
Editorial do Estadão
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