"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 6 de março de 2013

A NOVA CLASSE MÉDIA, UMA QUIMERA IDEOLÓGICA

 

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Nos dois últimos lustros a camada menos privilegiada da classe C recebeu novos integrantes, este fato levou alguns analistas a identificarem, erroneamente a meu juízo, a emergência de uma nova classe média no Brasil, a qual é tida, por um número não desprezível de pessoas, como produto de uma consistente ação renovadora desencadeada pelo ex-presidente Luiz Inácio L. da Silva.

Na verdade, ocorreu tão somente a incorporação, ao aludido estrato da classe C, de segmentos socioeconômicos de variada ordem e que, anteriormente, representavam um efetivo muito numeroso das assim chamadas classes D e E.

A compor tais grupos encontram-se proletários que já o eram, mas que passaram a perceber rendimentos mais elevados; pessoas recentemente incorporadas ao operariado rural e urbano, bem como ao setor de serviços; trabalhadores por conta própria, muitos dos quais exibem características típicas de pequenos empreendedores e, ademais, um número expressivo de pessoas pertencentes ao lumpesinato e que, em decorrência das políticas assistencialistas governamentais, conseguiram alcançar um poder de compra que até então desconheciam.

De toda sorte, uma grande parte desses novos componentes da classe C viu-se beneficiada pelas aludidas práticas assistencialistas às quais emprestei o apodo de coronelismo governamental. Já outros, antigos ou novos proletários, foram favorecidos pela salutar política de aumento do salário mínimo real, igualmente promovida pelos últimos governantes da Federação.

Outros elementos explicativos do movimento referido na abertura deste texto serão achados em alterações do perfil demográfico da nação, no âmbito educacional, em mudanças ocorridas no mercado de trabalho, assim como na expansão do crédito pessoal.

Além de esses adventícios apresentarem comportamentos originais no plano socioeconômico, responsabilizaram-se eles, na órbita política, por uma atitude absolutamente inédita e da mais alta relevância, pois desprenderam-se de sua secular dependência com respeito às elites pensantes da classe média tradicional e assumiram – na esfera da escolha de seus preferidos para ocuparem cargos eletivos – decisões condizentes com seus interesses mais imediatos, vale dizer, passaram a obedecer aos ditames enunciados pelo governo federal e pelo líder máximo do PT.
 
O mesmo posicionamento foi adotado por numerosos elementos das classes D e E. Em decorrência de tal postura, deu-se a reeleição do presidente Luiz Inácio L. da Silva, a eleição da atual presidente da República e, nas eleições municipais de 2012 – dada a contribuição de outros segmentos eleitorais –, a consagração do novo prefeito da capital paulistana.

Como me foi dado apontar no escrito citado acima, a forma assumida por tal descolamento representa um deplorável retrocesso político cuja origem repousa no oportunismo de uma significativa parcela de dirigentes e militantes do PT, os quais se diziam de esquerda, mas que se entregaram inteiramente à luta do poder pelo poder, sem intenção efetiva de levar avante as transformações profundas da sociedade brasileira, às quais diziam se apegar antes de galgarem, com a eleição de Luiz Inácio L. da Silva, a Presidência da República.
 
Mesmo admitindo-se ter sido formulada inconscientemente, a invenção dessa rósea nova classe média não pode ser dissociada de uma difusa farsa política de imensas proporções, a qual se apresenta como um dos elementos do ludíbrio ideológico pespegado em milhões de incautos eleitores.
06 de março de 2013* Iraci del Nero da Costa é professor livre-docente aposentado da USP.

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