"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 11 de março de 2013

BOM, SÓ PARA O PT...

 

A intimidade entre o partido do governo e Hugo Chávez ajudou a financiar o PT e satisfazer sua ala mais radical. Já o Brasil só perdeu com ela
 
 
Em 1998, ano em que Hugo Chávez chegou ao poder na Venezuela, o PT perdeu a terceira eleição presidencial seguida no Brasil. A derrota rachou o partido.
 
Um grupo continuou satanizando os Estados Unidos, tecendo loas a Cuba e defendendo a reforma agrária radical, o controle da imprensa, a expropriação de empresas estrangeiras e o apoio a movimentos guerrilheiros.
 
Outro grupo, mais poderoso, se rendeu ao pragmatismo, aliou-se a partidos conservadores, atraiu empresários e contratou um marqueteiro renomado para eleger Lula presidente quatro anos mais tarde.
 
Se poucas questões unem as duas alas petistas, a admiração ao ditador venezuelano agora morto e o apoio ao seu governo estão entre elas. Para os radicais, Chávez é motivo de inveja, uma vez que fez na Venezuela tudo o que eles sonhavam fazer no Brasil.
 
Já para os pragmáticos, o caudilho era um parceiro comercial importante. Amigo de Chávez, José Dirceu – o ex-chefe da Casa Civil de Lula, condenado a dez anos e dez meses de prisão por ter comandado o mensalão – liderou o apoio do PT ao governo chavista e trabalhou na prospecção de negócios para empresas brasileiras naquele país. Em troca, elas financiavam campanhas do partido.
 
"Chávez fez em seu país o que o PT originalmente queria fazer no Brasil mas não pôde, porque aqui há instituições fortes e uma imprensa vigilante.
Por isso se tornou um ídolo dos petistas.
 
Para eles, é como se fosse um amigo que se deu bem na vida e passou a ser invejado", compara o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.
Com a chegada do PT ao poder, em 2003, as relações comerciais com a Venezuela foram multiplicadas por quatro, alcançando 6 bilhões de dólares em 2012.
 
Como o país praticamente não tem indústria e sua economia depende do petróleo, o governo aumentou a importação de bens e serviços brasileiros. Aí quem fez a festa foram as empreiteiras, que, com a ajuda do BNDES, foram contratadas para realizar obras do porte de hidrelétricas, estradas e aeroportos.
Apenas a Odebrecht comanda projetos orçados em 3 bilhões de dólares. Não por coincidência, essas mesmas empreiteiras são as maiores doadoras das campanhas petistas: dos dez principais financiadores, seis são construtoras com negócios em Caracas.
 
A relação íntima com Chávez pode ter sido benéfica para as finanças e o discurso do PT, mas só trouxe desvantagens para o Brasil. O país viu sua influência na América Latina ser reduzida pelo dinheiro do petróleo de Chávez, que comprou o apoio de países como Cuba, Paraguai, Equador e Bolívia. Em importantes disputas comerciais, o caudilho nunca ficou ao lado do Brasil – o caso mais simbólico foi o apoio à Bolívia quando Evo Morales decidiu nacionalizar empresas brasileiras de energia, em 2006.
 
Ainda assim, o governo de Lula continuou privilegiando os negócios com a Venezuela, até quando prejudicavam os interesses nacionais. Em 2005, a Petrobras se associou à PDVSA (estatal venezuelana de petróleo) para construir uma refinaria em Pernambuco, desprezando proposta mais vantajosa da Arábia Saudita.
 
A PDVSA jamais honrou sua parte na sociedade e apenas neste ano, já no governo Dilma Rousseff, recebeu da Petrobras um ultimato para que pagasse sua parte na obra, que supera os 8 bilhões de dólares.
Além dos prejuízos econômicos e diplomáticos, o governo brasileiro se apequenou aos olhos do mundo desenvolvido ao apoiar um autocrata que devastou a economia de seu país e corroeu suas instituições.
 
O apoio do PT à eleição de Nicolás Maduro para suceder a Chávez demonstra que o partido aprova e quer prolongar a relação desigual com a Venezuela.
Na semana passada, o marqueteiro oficial do petismo e do chavismo, João Santana, pôs no ar os primeiros comerciais da campanha de Maduro – todos centrados em Chávez e com frases como "Ele vai voltar" e "Nascer de novo". Seria um sonho para o PT.
E um pesadelo para o Brasil.

11 de março de 2013
Otávio Cabral

VEJA - 09/03/2013

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