"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 11 de março de 2013

UMA TRAPAÇA HISTÓRICA


É visível a marca de trapaça da História no epílogo da liderança de Hugo Chávez.
O caudilho que passou uma década e meia moldando sua imagem de comandante de uma rebelião global contra “o Império” deixa como legado uma Venezuela mais dependente do que nunca dos Estados Unidos.

Os dados oficiais sobre o comércio exterior, recém divulgados, mostram que no ano passado os venezuelanos gastaram US$ 17,6 bilhões em compras de bens e mercadorias no mercado norte-americano. É um recorde histórico de importações com origem nos EUA. Representa um aumento de 43% em relação a 2011.

A iminência da convocação de novas eleições presidenciais está levando opositores radicais do chavismo a um quadro muito pior, a partir dos dados sobre o desempenho do setor petroleiro.
Não vale. Em setembro do ano passado, a Venezuela perdeu sua maior refinaria, a Amuay, em uma explosão – aparentemente acidental e causada por absoluta inépcia operacional do governo. Na emergência, o país multiplicou por cinco (para US$ 3,6 bilhões) suas aquisições de derivados de petróleo nos Estados Unidos.

Excluído o setor de petróleo, tem-se uma visão mais realista de quanto aumentou a dependência venezuelana do “Império”, apesar da retórica do líder que passou uma década e meia concluindo discursos com o slogan “Pátria e Socialismo!”

As compras de produtos básicos e industriais da Venezuela no mercado dos EUA, no ano passado, atingiram o recorde de US$ 14,1 bilhões. Significou um crescimento de 20,7% em comparação com 2011.

A exumação do legado de Chávez é trabalho para cientistas sociais das próximas décadas. Mas já é evidente o contraste dos inflamados discursos com a vida real venezuelana.
Tome-se sua promessa, repetida quase diariamente por 13 anos, de “consolidar o papel da Venezuela como potência energética mundial”.
A nação chavista se transformou num emirado de petróleo em situação econômica parecida com a do Iraque pós-guerra.

Quando Chávez se reelegeu, em outubro do ano passado, seu governo acumulava uma dívida total equivalente a 51% do Produto Interno Bruto. É o que informa o Fundo Monetário Internacional (o instrumento “das tramas de opressão, exploração e dominação”, na definição do líder), com base nos dados mais recentes do Banco Central venezuelano (a ferramenta “do vivo, efetivo e pleno exercício do poder popular para o socialismo bolivariano del siglo XXI”). Depois da Venezuela, o estado produtor de petróleo com maior endividamento é o Catar, mas com débito equivalente a somente 35% do PIB.

O emirado chavista avançou na contramão dos outros petroestados – a maioria aproveitou o período de recorde de preços do petróleo para reduzir o nível de endividamento. Aconteceu com a Arábia Saudita que em 2004 devia o equivalente a 65% do seu PIB e chegou ao terceiro trimestre do ano passado com 5,5%. Outros exemplos, no mesmo período: Angola baixou de 54% para 28% e a Nigéria, de 53% para 15%.

Como há quatro anos produção industrial era 5% maior e o país exportava 30% a mais (descontado o petróleo), o endividamento recorde da Venezuela é um “mistério” óbvio. O destino dessa dívida de 51% do PIB é passível de se tornar um clássico nos livros de história.

O “soldado do povo” que governou discursando contra as “teses reacionárias do Império”, “pela independência e pelo socialismo do século XXI”, deixa como legado um país ainda mais dependente do capitalismo norte-americano e penhorado como nunca antes em dívidas com a China, a Rússia, o Irã e o Brasil, entre outros credores.

Sem dúvida, uma trapaça da História.

11 de março de 2013
José Casado

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