"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 11 de março de 2013

O CINISMO DO NATURALISMO

    
          Artigos - Cultura 
O cínico é a antítese do cético grego (ceticismo científico) e transformou-se no cético moderno que não questiona o seu dogmatismo cético.

Na citação abaixo, verificamos a arrogância do naturalismo, escondida sob a capa rota e depauperada de Antístenes, o cínico, que, seminu e envolto na sua capa rota, dizia que Platão era um vaidoso e que “se comportava como um cavalo que se pavoneia”. E Sócrates, vendo que Antístenes exibia ostensivamente a parte mais degradada da sua capa, dizia-lhe: “Vejo, pelo teu manto, ó Antístenes, que procuras a glória.” (Citação de Diógenes Laércio).

“Quem somos? De onde viemos? Estas duas perguntas são geralmente o primeiro passo da hipocrisia comum que tem duas partes. Primeiro, a pessoa finge ter um interesse genuíno pelas perguntas, quando na verdade só lhe interessa exibir o que considera a sua superioridade cultural. Segundo, a pessoa não tem em mente uma investigação séria que vise responder às perguntas, mas antes um discurso heróico e reconfortante que nos diga que os seres humanos são superiores.

Contudo, para quem se interessa genuinamente por estas perguntas, o livro Last Ape Standing é uma excelente leitura. O autor, Chip Walter, não é cientista; mas informou-se sobre os últimos desenvolvimentos científicos quanto à nossa origem e apresenta-nos esses dados e especulações numa prosa simples e divertida.”
(via De Rerum Natura: A família humana)


Ao filósofo português Desidério Murcho só lhe falta o bastão tradicional do cínico grego para distribuir bordoadas por tudo quanto é gente. Por detrás da complacência em relação à natureza, vive um cínico grego atualizado que procura a glória mediante a exibição pública da sua paupérrima capa. A capa rota do cínico moderno é o politicamente correto, que inclui uma mundividência falaciosa acerca do ser humano. A superioridade do cínico moderno — tal qual acontecia com Antístenes — reside na negação sistemática, no ser humano, de qualquer superioridade.

A lógica do niilismo cínico é esta: se se afirma que “ninguém é culturalmente superior”, então, “é culturalmente superior quem constata que ninguém é culturalmente superior”. E a superioridade última do cínico moderno, em relação ao comum dos mortais, consiste nomeadamente em constatar e afirmar que o ser humano não é superior ao símio.

Ao cínico não lhe interessa a ciência: antes, segue um dogma. O cínico é a antítese do cético grego (ceticismo científico) e transformou-se no cético moderno que não questiona o seu dogmatismo cético. Para o cínico moderno, o ceticismo é um dogma (por exemplo, Bertrand Russell).

E mesmo não fazendo a mínima ideia de como, por exemplo, uma baleia “surgiu” de uma bactéria ou de um organismo unicelular, o cínico moderno exibe a sua capa rota, procurando a glória, e afirmando que “uma baleia é uma bactéria que é um cão que é um lobo que é um símio que é um ser humano”. E nivelando tudo e todos pela mesma bitola, o cínico afirma, glorioso, a sua superioridade.

11 de março de 2013
Orlando Braga

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