Artigos - Religião
Nós, alunos da PUC, presenciamos um evento inédito na história da universidade. Um ato heroico.
Era dia 22 de fevereiro de 2013. O cardeal Dom Odilo Scherer, como Grão-Chanceler da PUC de São Paulo, estava pronto para uma missa, celebrando a Festa da Cátedra de São Pedro na capela da Universidade.
Em outros lugares o fato poderia significar pouco. Na PUC, marcada por protestos e vandalismos de grupos radicais, qualquer ato do cardeal poderia servir de pretexto para os agitadores armarem uma manifestação.
Cheguei ao campus esperando ver os melhores sem convicção alguma e a cerimônia da inocência afogada, exatamente como nas palavras de William Butler Yeats. Os fatos mostraram que eu não poderia estar mais errado. Presenciei, pela primeira vez, um ato de heroísmo na minha universidade.
Era um dia de chuva, e chegando à PUC, um amigo meu começou a se perguntar se haveria mesmo alguma manifestação para atrapalhar a missa de Dom Odilo. Outro amigo garantiu que algo grande aconteceria, ele só não sabia ao certo o que seria.
Lá em baixo, descendo, nós pudemos ver diversos de manifestantes – alguns não eram alunos da PUC – gritando, não só contra a Reitora da Universidade, mas contra o Bispo e contra a Igreja Católica.
Subimos para assistir à missa, e me surpreendi novamente: dentro da Igreja, centenas de fiéis (não digo metaforicamente, eram literalmente centenas) se juntaram para assistir a missa. Além de alunos da PUC, alguns funcionários, seminaristas, professores e pessoas de grupos como Shalom estavam presentes.
Na porta, os manifestantes se reuniram empunhando cartazes ofensivos, alguns com esparadrapos e outros com panos no rosto, querendo intimidar quem ia assistir à missa e protestar na porta da Igreja. Alguns entraram para protestar dentro da Igreja. Outros não entraram, impedidos pela grande quantidade de fiéis na porta.
Dom Odilo Scherer chegou discretamente. Nesse momento começou a chover muito, e a tempestade afastou muitos dos manifestantes que estavam do lado de fora. Com uma serenidade ímpar, Dom Odilo começou a missa pedindo para rezarmos pela reitora e pela conversão dos jovens da PUC.
Defendeu o Papa Bento XVI ressaltando que o pontífice renunciou por coragem, que se sacrificou pelo bem da Igreja. Lembrou que “em uma Universidade Católica, estamos ligados à Cátedra de São Pedro”.
A homília foi longa, deve ter sido de quase uma hora. O cardeal comparou as dificuldades de hoje com um deserto, e lembrou que Jesus é o caminho e que, se quisermos que nossa vida tenha significado, devemos lembrar do sacrifício Dele. Lembrou-nos novamente de São Pedro e disse: não fiquem abalados, os que se intimidam não tem um fundamento forte o bastante, vocês não podem ter medo de lutar por Deus.
Três mascarados – um sujeito mais velho e duas mulheres –, entre os que estavam protestando,
permaneceram ao longo de toda a missa. Esses não falaram nada, mas queriam chegar perto da eucaristia. Felizmente foram advertidos e impedidos de cometerem um sacrilégio ou de atrapalharem a missa.
No momento em que eu estava imaginando uma saída segura ou prevenida do Cardeal, terminada a missa, ele empunhou seu báculo e disseram que ele sairia pela porta da frente. A chuva já havia parado e os manifestantes haviam se reunido novamente na porta da Igreja.
Dom Odilo saiu em procissão, com os sacerdotes que o acompanhavam, pelo meio da manifestação contrária, segurando a Cruz Sagrada, com cantos católicos e orações.
O pessoal que tanto protestou – não vou falar em jovens, pois muito ali já passaram da idade – ficou estupefato com a atitude corajosa de Dom Odilo. Acompanhado por vários fiéis, o cardeal parou em frente à cruz do pátio central da Faculdade, onde estava reunida a maior parte dos manifestantes revoltados, o mesmo lugar da manifestação violenta contra o Papa Bento XVI.
Com muita coragem e uma calma miraculosa, Dom Odilo, cercado de cartazes contra a Igreja, começou a rezar por aqueles que tanto demonstraram ódio por ele. Pediu paz, e falou em tolerância religiosa para lembrar que aqueles que dizem marchar pela tolerância facilmente se tornam arautos de intolerância contra os católicos.
Uma boa parte dos manifestantes ficou impressionada com a atitude de Dom Odilo, que clamava paz e era ouvido com silêncio. Os muitos católicos ocuparam um bom espaço em volta do pátio e se manifestaram em apoio aos sacerdotes, cantando e rezando. A revolta contra Dom Odilo esfriava com suas palavras.
Nesses momentos os mais radicais demonstravam uma raiva verdadeiramente macabra. Não é errado dizer que alguns estavam alucinados e cegos de ódio. Gritando, na melhor das hipóteses, coisas sem sentido como “Viva Hare Krishna!” e a “Ditadura voltou!” e em alguns casos acusações malucas contra o Papa – pelo visto um agente da CIA, pago para derrotar “amantes da liberdade” como Ahmadinejad e Hugo Chávez.
E quando os sacerdotes e católicos já tinham ido embora, os revoltados começaram a gritar coisas como “golpistas não passarão”, reforçando a atmosfera ridícula que cercava os mais fanáticos.
Se a manifestação era para ser “oficialmente” contra a reitora nova, ficou claro que muitos dos agitadores (alguns vinculado a partidos comunistas) estavam interessados mesmo é em atacar o cardeal, a Fé e a Igreja. Trazendo pessoas de fora, utilizando algumas câmeras e conversando com jornalistas ele tentaram vender a ideia de que “os alunos da PUC se revoltaram contra o cardeal”.
Os vários jovens católicos, em pé na Igreja para a missa de Dom Odilo, evidentemente ficarão de fora de tais reportagens, embora apareçam muito nas fotos dos cidadãos comuns que estiveram lá.
Contrastando imensamente com o maquiavelismo dos mais revoltados, Dom Odilo começou a pregação no pátio com o Credo Niceno-Constantinopolitano (a música mais bonita do mundo no modo III em canto Gregoriano).
Foi impossível não lembrar uma das pessoas que mais lutaram por essa profissão de fé: São Gregório de Nazianzo, que quase só, enfrentou com tanta bravura – que só pode ser proveniente de Deus – uma multidão de bispos e de autoridades hereges, serviu de último baluarte de Roma em Constantinopla e foi fundamental para recristianizar quase todo o oriente.
É esse tipo de coragem que rezo para ver nos corações dos nossos cardeais, especialmente em época de Conclave. Perto dessas grandes batalhas o ato de Dom Odilo parece muito pouco, e é verdade que não sabemos se o cardeal terá forças para lutar até o fim.
Só que coisa é certa: nós, alunos da PUC, presenciamos um evento inédito na história da universidade. Um ato heroico. Fico honrado em ter acompanhado de perto este acontecimento, e espero que muitos tenham recebido, no mínimo, uma centelha da esperança que Dom Odilo tentou passar. Neste dia ele fez serem lembradas, em sua fala e especialmente em seus atos, as palavras do Evangelho:
"Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós." João 15:18
"Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem." Mateus 5:44
"Em seguida, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.
Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á." Mateus 16:24-25
10 de março de 2013
Guilherme Freire
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