Documentos secretos agora tornados públicos atestam espionagem a políticos de 1947 a 1976
BRASÍLIA — Documentos secretos arquivados na Câmara dos Deputados, desclassificados, e agora liberados, comprovam que parlamentares tinham a vida bisbilhotada pelo regime militar e ainda revelam caso de espionagem americana em águas territoriais brasileiras.
Os papéis ficaram guardados por mais de 40 anos, sem direito à consulta pública por conta de carimbos que estampavam a classificação de sigilo. Entre eles, documento de 1968 trata da operação que resultou na abordagem de um navio espião americano, o North Seal, na costa brasileira naquele ano.
O alvo dos “piratas” era o petróleo brasileiro. Os dados que coletaram e rolos de filme foram apreendidos pela Marinha.
Muitos dos documentos que a Câmara liberou são resultado de pedidos de informação feitos pelos parlamentares. Os pedidos foram respondidos em caráter sigiloso e confidencial, e o conteúdo, arquivado sem divulgação.
Em outubro de 1968, em resposta à Câmara, o então ministro da Marinha, Augusto Rademaker, informou que o navio americano partiu de Buenos Aires e percorreu a costa brasileira realizando pesquisas sismográficas irregulares sobre mapeamento de possíveis reservas de petróleo.
O documento revela que foram apreendidas nove cartas náuticas, 12 caixas com 117 rolos de fita magnética e dois cartuchos contendo gráficos. Nas “considerações”, Rademaker fez propaganda da sua Força. “A retenção do navio veio demonstrar que o monopólio estatal do petróleo jamais foi tão eficazmente defendido”.
A notícia da detenção do navio chegou a ser divulgada na época, mas não o relato sigiloso da Marinha confirmando a espionagem. Todo o material apreendido foi repassado à Petrobras.
Os arquivos mostram que a ditadura também fiscalizava o próprio Congresso, à revelia dos parlamentares. Ofício confidencial assinado pelo general Carlos Alberto Fontoura, então chefe do SNI, alerta a Câmara para o “uso indevido de telefones” por parte de dois deputados da Arena. Sem autorização judicial, o SNI teve acesso às contas telefônicas e listou centenas de ligações interurbanas feitas das residências dos deputados, mas debitadas nos números de seus gabinete.
O deputado José Raimundo Esteves (AM) fez 332 chamadas no telefone da Câmara, entre setembro de 1969 e janeiro de 1970. Janary Nunes (PA) usou o mesmo esquema e fez 138 ligações entre dezembro de 69 e maio de 70. “As despesas foram pagas pelos cofres públicos”, alertaram os militares.
Os arquivos secretos desclassificados compreendem o período de 1947 a 1976. Boa parte deles já deveria ter sido publicizada. Mas só a partir de 2009 uma comissão passou a avaliar o que estava lacrado nos porões da Câmara, que nunca fez alarde sobre esse trabalho.
Um dos papéis liberados trata de uma denúncia que circulou em 1960 sobre eventuais contas na Suíça de Jânio Quadros, candidato a presidente. Mas a informação não se confirmou, como demostram os ofícios do chanceler Horácio Lafer ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli.
Jânio mandou procuração em nome do embaixador brasileiro em Berna, Afrânio de Mello Franco. “De acordo com informação do Banco Zurich, é absolutamente falsa a alegação feita no sentido de que o doutor Jânio Quadros possui qualquer conta numerada ou não, assim como qualquer espécie de depósito. Idêntica informação foi prestada ao embaixador do Brasil em Berna pelo Banco de Crédito Nacional e Sociedade de Bancos Suíços, as maiores organizações bancárias da Suíça”, diz texto do Itamaraty. Outro ofício de Lafer à Câmara cobra que seja apontada qual instituição bancária deveria ser procurada, uma vez que naquele país havia muitas, e o embaixador não teria condições de sair procurando em todas elas.
Manuscrito de Rubens Paiva
Nos documentos desclassificados pela Câmara, há um manuscrito de Rubens Paiva, morto pela ditadura em 1971. Deputado federal em 1963 (PTB), Paiva era vice-presidente da CPI do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), uma organização anticomunista financiada por empresários.
Num texto curto, o deputado autoriza que seu patrimônio seja investigado: “Autorizo esta comissão a investigar os bens pessoais meus e de minha mulher, bem como suas origens — extensivo este inclusive aos gastos da campanha eleitoral que desenvolvi no ano de 1962”. O manuscrito é de agosto de 1963.
Em março de 1968, em resposta a pedido de informação, o ministro da Aeronáutica relata penúria nos aviões da Força Aérea. Ele afirma aos deputados, em ofício confidencial, que o Brasil tem o “menor poder de fogo entre os países sul-americanos”. E que está desprovido de equipamento em caso de ataque. “Atualmente a FAB pode realizar, de maneira muito precária, apenas missões aerotáticas e operações anti-insurrecionais”.
Até a falta de apartamento funcional para deputados em 1962 ganhou caráter sigiloso. O primeiro-secretário da Câmara, Bonifácio Andrada, foi se queixar ao presidente João Goulart. O deputado alegou que estavam sobrando apartamentos da Petrobras e do Banco do Brasil na capital.
E sensibilizou o presidente, que ordenou a entrega dos imóveis à Câmara. “A aflição por um teto cresce e se agrava, ameaçando tornar absolutamente impossível a vida em Brasília para os deputados recém-eleitos. O problema, embora se apresente singelo, se não for resolvido a contento, poderá trazer os mais graves transtornos não apenas ao normal funcionamento do Congresso Nacional, mas também ao próprio regime” — argumentou Bonifácio Andrada, que obteve pronta resposta de Jango.
Os papéis ficaram guardados por mais de 40 anos, sem direito à consulta pública por conta de carimbos que estampavam a classificação de sigilo. Entre eles, documento de 1968 trata da operação que resultou na abordagem de um navio espião americano, o North Seal, na costa brasileira naquele ano.
O alvo dos “piratas” era o petróleo brasileiro. Os dados que coletaram e rolos de filme foram apreendidos pela Marinha.
Muitos dos documentos que a Câmara liberou são resultado de pedidos de informação feitos pelos parlamentares. Os pedidos foram respondidos em caráter sigiloso e confidencial, e o conteúdo, arquivado sem divulgação.
Em outubro de 1968, em resposta à Câmara, o então ministro da Marinha, Augusto Rademaker, informou que o navio americano partiu de Buenos Aires e percorreu a costa brasileira realizando pesquisas sismográficas irregulares sobre mapeamento de possíveis reservas de petróleo.
O documento revela que foram apreendidas nove cartas náuticas, 12 caixas com 117 rolos de fita magnética e dois cartuchos contendo gráficos. Nas “considerações”, Rademaker fez propaganda da sua Força. “A retenção do navio veio demonstrar que o monopólio estatal do petróleo jamais foi tão eficazmente defendido”.
A notícia da detenção do navio chegou a ser divulgada na época, mas não o relato sigiloso da Marinha confirmando a espionagem. Todo o material apreendido foi repassado à Petrobras.
Os arquivos mostram que a ditadura também fiscalizava o próprio Congresso, à revelia dos parlamentares. Ofício confidencial assinado pelo general Carlos Alberto Fontoura, então chefe do SNI, alerta a Câmara para o “uso indevido de telefones” por parte de dois deputados da Arena. Sem autorização judicial, o SNI teve acesso às contas telefônicas e listou centenas de ligações interurbanas feitas das residências dos deputados, mas debitadas nos números de seus gabinete.
O deputado José Raimundo Esteves (AM) fez 332 chamadas no telefone da Câmara, entre setembro de 1969 e janeiro de 1970. Janary Nunes (PA) usou o mesmo esquema e fez 138 ligações entre dezembro de 69 e maio de 70. “As despesas foram pagas pelos cofres públicos”, alertaram os militares.
Os arquivos secretos desclassificados compreendem o período de 1947 a 1976. Boa parte deles já deveria ter sido publicizada. Mas só a partir de 2009 uma comissão passou a avaliar o que estava lacrado nos porões da Câmara, que nunca fez alarde sobre esse trabalho.
Um dos papéis liberados trata de uma denúncia que circulou em 1960 sobre eventuais contas na Suíça de Jânio Quadros, candidato a presidente. Mas a informação não se confirmou, como demostram os ofícios do chanceler Horácio Lafer ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli.
Jânio mandou procuração em nome do embaixador brasileiro em Berna, Afrânio de Mello Franco. “De acordo com informação do Banco Zurich, é absolutamente falsa a alegação feita no sentido de que o doutor Jânio Quadros possui qualquer conta numerada ou não, assim como qualquer espécie de depósito. Idêntica informação foi prestada ao embaixador do Brasil em Berna pelo Banco de Crédito Nacional e Sociedade de Bancos Suíços, as maiores organizações bancárias da Suíça”, diz texto do Itamaraty. Outro ofício de Lafer à Câmara cobra que seja apontada qual instituição bancária deveria ser procurada, uma vez que naquele país havia muitas, e o embaixador não teria condições de sair procurando em todas elas.
Manuscrito de Rubens Paiva
Nos documentos desclassificados pela Câmara, há um manuscrito de Rubens Paiva, morto pela ditadura em 1971. Deputado federal em 1963 (PTB), Paiva era vice-presidente da CPI do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), uma organização anticomunista financiada por empresários.
Num texto curto, o deputado autoriza que seu patrimônio seja investigado: “Autorizo esta comissão a investigar os bens pessoais meus e de minha mulher, bem como suas origens — extensivo este inclusive aos gastos da campanha eleitoral que desenvolvi no ano de 1962”. O manuscrito é de agosto de 1963.
Em março de 1968, em resposta a pedido de informação, o ministro da Aeronáutica relata penúria nos aviões da Força Aérea. Ele afirma aos deputados, em ofício confidencial, que o Brasil tem o “menor poder de fogo entre os países sul-americanos”. E que está desprovido de equipamento em caso de ataque. “Atualmente a FAB pode realizar, de maneira muito precária, apenas missões aerotáticas e operações anti-insurrecionais”.
Até a falta de apartamento funcional para deputados em 1962 ganhou caráter sigiloso. O primeiro-secretário da Câmara, Bonifácio Andrada, foi se queixar ao presidente João Goulart. O deputado alegou que estavam sobrando apartamentos da Petrobras e do Banco do Brasil na capital.
E sensibilizou o presidente, que ordenou a entrega dos imóveis à Câmara. “A aflição por um teto cresce e se agrava, ameaçando tornar absolutamente impossível a vida em Brasília para os deputados recém-eleitos. O problema, embora se apresente singelo, se não for resolvido a contento, poderá trazer os mais graves transtornos não apenas ao normal funcionamento do Congresso Nacional, mas também ao próprio regime” — argumentou Bonifácio Andrada, que obteve pronta resposta de Jango.
10 de março de 2013
Evandro Éboli
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