Em primeiro lugar, chama a atenção a maneira desapegada, fria e realista com que FHC enxerga 2014.
Elemento oculto, mas de fácil apreensão nas entrelinhas do artigo, percebe-se que ele não acredita em vitória já. A disputa para valer foi transferida para 2018, quando o Brasil provavelmente precisaria optar por aderir ou não à onda de crescimento capitalista cujos sinais, distantes, "já se veem no horizonte".
Até lá, será preciso esperar que amadureçam as condições externas e internas, o que também explica a opção por uma candidatura jovem como a de Aécio Neves.
No front nacional, "por hora, o trem não descarrilou" e "enquanto a China puxar as exportações de matérias-primas e de alimentos, tudo vai se arranjando". Mas, como o governo afrouxou a santíssima trindade do real (metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal), a deterioração torna-se inevitável, vindo a aparecer, "em prazo mais longo", na forma de vulnerabilidade externa.
Na frente internacional, o ex-mandatário prevê uma rearrumação em que os EUA liderarão um bloco capaz de competir com o ascendente poder sino-asiático. Fazendo uso de sua conhecida capacidade de entender o funcionamento geral do sistema, o antigo professor da USP cita Schumpeter para mostrar como as inovações que movem a economia já se fazem sentir. Mesmo na vigência da crise geral, a descoberta de nova tecnologia para extrair gás e petróleo do xisto é exemplo do que vem por aí.
Estariam, assim, na confluência futura dessas vicissitudes internas e externas as melhores chances da oposição. Tal como se deu 20 anos atrás, quando o próprio Cardoso implantou o plano de estabilização, em sua opinião deve-se abrir mais adiante uma janela mundial de oportunidade para o Brasil. Ela seria aproveitável só se o Brasil se ajustasse outra vez à globalização.
O ex-mandatário afirmou que a globalização é "a maneira contemporânea de organizar a produção com base em novas tecnologias e novas normas", e não uma ideologia -- o neoliberalismo --, como pensou, no passado, o PT.
Goste-se ou não, aí está o melhor resumo do que propõe à alternativa de poder realmente existente hoje no país. Sobre o cortejo de desigualdade, barbárie e destruição que essa "maneira contemporânea" acarreta, nenhuma palavra. Mas, se as houvesse, não seria o manifesto da oposição.
10 de março de 2013
André Singer, Folha de São Paulo
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