"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 10 de março de 2013

BRUNO, BANDIDO E BURRO


O assunto no país é o assassinato cometido pelo goleiro Bruno e seus asseclas. A vítima, uma de suas amantes, foi longamente torturada, esquartejada e teve partes de seu corpo jogadas aos cães.
Por sua atrocidade, o crime deslocou das páginas dos jornais um outro assassinato com características semelhantes, o da advogada Mércia Mikie Nakashima, pelo advogado e ex-policial militar Mizael Bispo de Souza, ex-namorado da moça.

Os jornais estão entrevistando psicanalistas, sociólogos, antropólogos e outros ólogos para explicar o crime do goleiro. As análises são tão eruditas quanto seus autores. No Estadão, o psicanalista Jorge Forbes diz que “perdidos de sua identidade, jogadores se alienam em personalidades forjadas e em um sentimento de ilimitação”. E deita falação:

“A sociedade pós-moderna pulveriza as verticalidades e não provê acolhimento das angústias nas hierarquias verticais, nos mais velhos, nos mais experientes, nos que já passaram por isso. O resultado está aí. A série que deveria ser "descoberta, sucesso, fama, dinheiro, conforto e satisfação" tem sido "descoberta, sucesso, fama, dinheiro, mulheres, drogas, violência, desastres, prisão ou ostracismo".

No mesmo jornal, a antropóloga Debora Diniz também não economiza o verbo, batendo na mesma tecla, a crise de identidade:

"Podemos pensar em uma explicação paradigmática, além das particularidades de cada caso, o que o mais das vezes só anda tampando o sol com a peneira: foi o pai violento, a mãe alcoólatra, as más companhias, a péssima educação, o irmão psicopata, etc. Ocorre que a saída da pobreza e do anonimato para a riqueza e a fama, subitamente, gera uma forte crise de identidade. Ter sucesso é cair fora; na palavra "sucesso" existe a raiz "ceder, cair". Quem tem sucesso cai fora do seu grupo habitual de pertinência. Tom Jobim não tinha razão quando dizia que o brasileiro não desculpava o sucesso, pois nenhum povo desculpa, só variam as maneiras de demonstrá-lo. A máxima de Ortega y Gasset ainda é válida: "Eu sou eu e a minha circunstância". E quando a minha circunstância muda abruptamente, fica a pergunta profundamente angustiante: "Quem sou eu?", que fundamenta a crise de identidade”.

Até Ortega y Gasset é conclamado para explicar o tosco e brutal crime de um reles bandido de favela. “O que motiva um homem a matar sua ex-namorada? O crime passional não é um ato de amor, mas de ódio” – continua a antropóloga. Para concluir: “A violência não é constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens”.

Conheço a cantilena. Os homens não são responsáveis por seus atos, mas a sociedade que os envolve. No caso, a abominável sociedade patriarcal. A moça parece sequer ter lido os jornais. Não se trata de crime passional. Mas de crime premeditado. Com uma única e óbvia motivação, dinheiro. Para não ter de pagar uma pensão que nem faria mossa em seus salários, o goleiro optou por uma solução lógica e eficaz: eliminou a moça que pedia a pensão.

Nada de incomodações com juiz, advogados e varas de família. Corta-se o mal pela raiz. Como dizia Alberto Moravia, só há uma solução definitiva para quem tem dor de cabeça. Corta-se a cabeça e a dor passa. É solução lógica. Mas não é humana.

O caso dispensa maiores metafísicas. A explicação é rasa. O goleiro matou, primeiro porque era vazio de valores morais. Para ele, uma vida não vale um vintém. O que importa é seu patrimônio. Segundo, por ser um asno. Ou pretenderia que um crime cometido por motivação óbvia – e com a cumplicidade de mais seis ou sete pessoas – permanecesse sem solução? E asno em dose dupla: para preservar alguns trocados, enterrou uma carreira que tinha tudo para trazer-lhe fama e fortuna consideráveis.

Uma terceira hipótese é que apostasse na impunidade generalizada que grassa no país. Talvez Bruno tenha apostado nesta complacência da Justiça.

A moça, por outro lado, procurou a morte. Difícil conceber que uma mulher que partilha seu leito com pessoa violenta não tenha percebido seu potencial de violência. Eliza Samudio também fez sua aposta. Perdeu não só a aposta como a vida.

Em suma, um crime brutal. Brutal mas banal. Dispensa eruditas elucubrações. Perda de identidade, verticalidades pulverizadas e dispositivos culturais de uma sociedade patriarcal “que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens” não passam de cantiga para ninar pardais.

O goleiro era um bandido bruto e mesquinho, sem noção alguma de valores morais em seu bestunto e estamos conversados.

10 de março de 2013
janer cristaldo

Nenhum comentário:

Postar um comentário