"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 10 de março de 2013

ARQUIVOS CONTA O DIA DE 1963 EM QUE 630 MILITARE SITIARAM BRASÍLIA

Grupo ocupou aeroporto, bloqueou estradas e prendeu autoridades


Soldado em posição de combate em Brasília
Foto: Arquivo/13-9-1963
Soldado em posição de combate em BrasíliaArquivo/13-9-1963
 
BRASÍLIA — Na madrugada de 12 de setembro de 1963, Brasília foi isolada do resto do país. Telefones cortados, aeroporto ocupado, prédios públicos tomados e os acessos a rodovias federais bloqueados. A capital estava sitiada pela ação de 630 sargentos, cabos e soldados da Marinha e da Aeronáutica.
Num ato ousado, o grupo ainda prendeu dezenas de oficiais e autoridades civis, como um ministro do Supremo Tribunal Federal e até o presidente interino da Câmara, deputado Clovis Mota (PSD-RN). O episódio ficou conhecido como “Levante de Brasília”, nos meses conturbados que antecederam o golpe militar.
Documentos que detalham aquelas horas tensas estavam lacrados nos arquivos da Câmara, agora liberados. São cópias de telegramas despachados de Brasília, única forma de comunicação até que o Exército debelou os revoltosos, após nove horas de enfrentamento pelas avenidas da capital federal.
 
Num dos telex, Clovis Mota relata ao coronel Dagoberto Rodrigues, diretor do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), já às 7h, o drama que viveu poucas horas antes. O coronel ficava no Rio. Alertado do movimento, Mota acordara às 4h. Rumou para o Congresso, mas foi impedido por um soldado.

— Aqui não passa nem o presidente da República — disse o militar que deu voz de prisão a Mota.
“Fui acordado às quatro horas pelo serviço de segurança da Câmara informando-me... todos os telefones cortados. Dirigi-me à central telefônica, que verifiquei ocupada por tropas da Aeronáutica. Desloquei-me à Câmara, sendo detido na Esplanada dos Ministérios, onde fui preso por praças.

Permaneci no Departamento Federal de Segurança, àquela hora, já ocupado, até 5h30m em companhia de alguns oficiais do Exército também presos. Esses oficiais foram transportados para a Base Aérea. Lograram fugir. Fui liberado, vindo diretamente aqui (na Câmara). Tropas do Exército conseguiram desalojar (os prédios de) Marinha e Aeronáutica, depois de choques armados.
Situação caminha para normalidade. Só dispomos de ligação telex. Exército ainda não nos forneceu rádio para comunicação do Ministério e do Planalto. Indispensável sua permanência aí”, é o conteúdo do telex de Mota. Naquele momento, ele ainda não sabia se o levante ocorria em outras cidades e buscava notícias.

O cenário era de guerra em Brasília. Os sargentos estavam armados, usavam carros e buscavam oficiais nas vilas militares para detê-los. A razão da revolta foi uma decisão do STF, que negou o direito a elegibilidade dos praças. O ministro Vítor Nunes Leal, do STF, estava entre os presos. Os insurgentes ocuparam o Departamento de Telefones e deixaram Brasília sem comunicação.

Carlos Mota ficou preso durante uma hora e meia no prédio do Ministério da Justiça, no gabinete do ministro, arrombado pelos sargentos. Negou-se a seguir com os sargentos para a Base Aérea e disse que resistiria. Cenas cinematográficas vieram na sequência: três oficiais levados numa caminhonete
F-100 pelos praças conseguiram tomar o automóvel e o jogaram contra a portaria de vidro do Ministério da Fazenda. Mota acabou sendo libertado e seguiu para a Câmara, indo direto para o telex.

O Exército não aderiu à revolta e combateu os praças. Cercou as instalações ocupadas pelos sargentos, em posição de combate. Diante da grave situação, o Ministério da Guerra decidiu enviar uma tropa de paraquedistas do Rio. Essa passagem está relatada em outro telegrama, desta vez do coronel Dagoberto para Clovis Mota. O militar responde ao deputado. Já eram 7h20m, e diz que no resto do país está tudo tranquilo.

O presidente titular da Câmara, Ranieri Mazzilli, no exterior, só veio a saber dos fatos quando a situação estava contornada.

10 de março de 2013
Evandro Éboli

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