"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 1 de abril de 2013

CARTAS DE LONDRES: COMO OS OUTROS BRITÂNICOS VEEM A CAPITAL


CRÔNICA

“Esnobes”, “miscigenados”, “modernos”, “internacionais”, “vendilhões da pátria” são adjetivos que os britânicos de fora de Londres dão aos mais de 8 milhões de habitantes da cidade. A relação não é tão tensa como o da maioria dos franceses com os parisienses, mas ser londrino entre os outros não deixa de ser um desafio à sociabilidade de cidadãos já bastante tímidos.

Quanto maior é a distância em relação à capital, maior é o ressentimento. Os escoceses parecem ser os que mais desgostam dos londrinos. Um dos motivos é econômico: é na capital britânica onde mais encontram comerciantes que rejeitam suas notas de libra esterlina, simplesmente por serem escocesas (mudam apenas detalhes). Geralmente bem humorados, detestam a sisudez e as ironias de quem vive em Londres.

Quem vem do norte da Inglaterra ganha a culpa por a culinária do país ser tão desprezada no mundo. Durante as Olimpíadas, vendia-se quitutes típicos nos locais de competição. Os próprios londrinos, depois de três ou quatro perguntas, despiam-se do nacionalismo para sugerir cachorros-quentes em vez “dessas coisas sem gosto que os nortistas fazem”, como me disse uma atendente no estádio de Wembley.


Os londrinos chamam de “macacos do Norte” (sem conotação racial, mas sim pelo jeito de falar) quem vem de cidades acima de Birmingham -- que, na verdade, fica bem no meio do país e odeia ser chamada de nortista. Quem vem de Essex, uma região vizinha a Londres, é obrigatoriamente “um afrescalhado”. Para o resto do país também sobram acusações de intolerância, nem sempre justas.

Os londrinos gostam de dizer que sua cidade tem um pouco de tudo do Reino Unido, mas é na mesma medida um lugar internacional. Isso já basta para refratários a uma recepção calorosa a estrangeiros defenderem que é um local que nada tem a ver com o resto do país -- onde as comunidades indiana, polonesa e caribenha, por exemplo, são bem menores e menos influentes na política e na economia.

Os não-londrinos que vivem na capital dizem estar em um limbo. Na própria cidade são vistos como adesistas ao estilo pequeno-burguês da capital. Em Londres, não deixam de ser estrangeiros, quase tanto quanto quem vem de outros países -- com a diferença de não haver crime se forem chamados de macacos do Norte ou afrescalhados de Essex. Numa das cidades mais globais, o local também tem força.

01 de abril de 2013
Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo

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