O mundo político e econômico em que vivemos começou a se tornar mais
transparente com a consolidação da tendência de tornar públicos os
segredos do mundo dos paraísos fiscais, da espionagem e da diplomacia,
e também dos negócios escusos de políticos e funcionários públicos, sem falar
das escutas telefônicas clandestinas ou não.
É fato extremamente positivo porque dá aos cidadãos a possibilidade de saber o que está sendo feito com o seu dinheiro ou seu voto, e como funciona o submundo das finanças, da política e das manobras militares. Mas a sucessão de casos, como a investigação dos paraísos fiscais feita por um consórcio de jornalistas investigativos e o da divulgação de mensagens secretas pelo site Wikileaks, coloca o cidadão comum no meio de um tiroteio informativo capaz de deixar qualquer um confuso e desorientado.
Se antes o nosso maior problema era a falta de informações, agora começamos a enfrentar o problema inverso, ou seja, a avalancha de dados e fatos, que nos obrigam a ter que fazer um complexo sistema de triagem e avaliação do material divulgado. No caso dos paraísos fiscais investigados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, são quase dois milhões e meio de documentos. Já o Wikileaks publicou, em 2010, 250 mil mensagens, informes e relatórios confidenciais do serviço diplomático norte-americano.
Esses exemplos são apenas uma amostra pequena da quantidade de informações que estão sendo trazidas à luz pública numa importante vitória da transparência política, viabilizada pelas novas tecnologias como a internet. Mas a questão tem um outro lado: a checagem dessas informações. Se a internet permite a divulgação e circulação instantânea de 700 mil recibos suspeitos apresentados por 646 parlamentares britânicos ao longo der 10 anos, o problema é como separar o joio do trigo numa massa tão grande de documentos.
A publicação de documentos secretos ainda provoca um grande impacto na opinião pública porque evidencia a quebra irreversível de um modelo de gestão de informações baseado no sigilo. Mas já começamos a sentir os efeitos da outra cara do problema. O jornal inglês The Guardian teve que pedir a ajuda dos seus leitores para checar os recibos apresentados pelos membros do Parlamento e que foram tornados públicos em 2009. Foi a primeira experiência de aplicação da chamada crowdsourcing (ajuda coletiva) na investigação de um escândalo político.
Passados quatro anos, a participação dos leitores no projeto do Guardian se mostrou tecnicamente viável, mas os resultados numéricos ficaram muito aquém do esperado. O jornal conseguiu digitalizar 500 mil recibos, mas os leitores só conseguiram examinar 160 mil até o inicio de 2013 – ou seja, menos de 23% do total, em quatro anos. É pouco para separar culpados e inocentes entre todos os políticos britânicos que frequentaram as cadeiras do Parlamento desde 2004.
O Wikileaks, que não se define como uma iniciativa jornalística, simplesmente jogou os documentos na rede e deixou que o público e os jornais separassem o joio do trigo. Como ninguém teve capacidade técnica para processar tantos documentos confidenciais do Departamento de Estado norte-americano, a confiabilidade dos informes diplomáticos ficou para um segundo plano.
As acusações políticas e morais predominaram, e o caso está quase esquecido. O australiano Julian Assange, fundador e editor do pelo Wikileaks vive asilado há quase um ano na embaixada equatoriana em Londres, e o soldado americano Bradley Manning, que entregou os documentos ao Wikileaks, enfrenta um julgamento por traição.
O consórcio de jornalistas investigativos tentou fazer uma checagem mínima dos 2,5 milhões de documentos envolvendo 120 mil empresas e 130 mil suspeitos em 170 países. Para tanto contou com 86 profissionais, entre eles o repórter brasileiro Marcelo Soares, e a ajuda de 37 organizações jornalísticas de todo o mundo, inclusive a Folha de S.Paulo. Mas os próprios responsáveis pelo projeto, patrocinado pela ONG norte-americana Center for Public Integrity, reconhecem que ainda falta muito para chegar a uma verificação completa do material recolhido.
Informação sem checagem de confiabilidade, exatidão, isenção e relevância passa a ser lixo informativo, e o pior: perigoso porque pode servir para difamação, discriminação e erros judiciais.
Para evitar que a conquista da transparência acabe entulhada pelo lixo informativo é necessário aprimorar a tecnologia de triagem e classificação, mas, principalmente, criar a consciência pública de que o uso de tanta informação exige de cada um de nós uma responsabilidade grande no processo de seleção, contextualização e disseminação (curadoria) de notícias e informações. E nesse processo, o Observatório da Imprensa ocupa um papel muito especial.
11 de abril de 2013
Carlos Castilho
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