Como toda grande cidade, o Rio tem seu “lado b”. Em Nova York, a atenção policial precisa ser constante em bairros do outro lado do East River, em Paris não é aconselhável se aventurar na periferia (banlieue) etc. O Rio não é exceção.
A política de pacificação de áreas dominadas pelo crime organizado se consolida e avança, com importantes resultados na redução da violência, embora ainda haja longo percurso até a criminalidade ficar em níveis “civilizados”, compatíveis aos de outros grandes centros urbanos do mundo desenvolvido.
O ataque ao casal de turistas que apanhou uma van na Zona Sul, com estupro e agressões generalizadas, fez soar o alarme para os mais otimistas. Logo em seguida, o ônibus da linha 328 (Castelo-Bananal) despencou de um viaduto na Avenida Brasil, matando sete passageiros e deixando vários feridos. Não são assuntos desconexos. Pode-se encontrar nos dois dramas características comuns, deformações com as quais os cariocas convivem, e que não serão extirpadas pelas UPPs.
Se a van, registrada para fazer transporte apenas em Niterói, pôde apanhar passageiros no Rio, tripulada por bandidos, sem ser molestada pelos órgãos de fiscalização, o ônibus que se estatelou no asfalto da Avenida Brasil estava, por sua vez, com a vistoria vencida desde dezembro. Acumulava 46 multas a partir de 2008, quando começou a circular.
A ineficácia da vigilância no trânsito é cabal. A van atravessou a Ponte e estava em Copacabana quando o casal de turistas entrou nela pensando em ir para a Lapa. Nenhum agente público interveio. O ônibus, segundo relato de passageiros sobreviventes, trafegava em alta velocidade, tanto que não parou em vários pontos. Também ninguém viu.
É possível que o motorista, André Luís Silva Oliveira, já batesse boca com o passageiro Rodrigo dos Santos Freire, estudante de física no Fundão. Rodrigo teria agredido André, a causa final do desastre. Que poderia ter sido evitado se o Estado também não tivesse falhado no campo da prevenção policial: há pelo menos dois registros contra o motorista, na delegacia da Ilha do Governador, por agredir a mulher. Já seria o suficiente para a empresa e o próprio sindicato dos motoristas considerarem André um risco, e dar-lhe algum tipo de apoio.
Para azar dos passageiros, André cruzou com Rodrigo, também com registros na mesma delegacia por brigas no condomínio em que mora. Nada é obra do acaso.
A informalidade e a descontração, a cara do Rio, com o tempo geraram uma cultura de desordem e incivilidade. A cidade tem de ser informal e descontraída, mas quando setores vitais da administração deixam de funcionar, e a população, no cotidiano, não se preocupa com regras mínimas de convívio e de respeito ao bem público — lixo nas ruas, depredações —, é porque está na hora de recolocar nos trilhos o jeito carioca de ser e de haver um efetivo choque de competência que aperfeiçoe os serviços públicos. As duas coisas também estão ligadas. Cabe ao Estado começar a acabar com o clima de “liberou geral”.
06 de abril de 2013
Editorial d'O Globo
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