Homens e mulheres fazem de tudo em casa. Estado americano dá ajuda a casal cujo filho tem síndrome de Down
Flávia Barbosa e Isabel De Luca - O Globo
Melina, Olívia e Bruno, que vivem num subúrbio de classe média da Virgínia, dividem as tarefas em casa e não têm empregada Flávia BarbosaWASHINGTON e NOVA YORK. Filhos da classe média de Brasília, Bruno Oliveira, de 31 anos, e Melinda Rojas, de 30, foram criados cercados de empregados domésticos. Recém-casados, sem filhos, levaram o hábito para a nova vida: contrataram uma ajudante para todos os dias.
Admitem que não viam a cor da cozinha, passavam longe da vassoura, não guardavam roupas e sapatos após o trabalho e organização não era palavra encontrada em seus dicionários.
Mudaram para o Uruguai em 2010 já com a bebê Olívia e encontraram um cenário semelhante ao do Brasil — mão de obra farta e barata. Não pensaram duas vezes: tinham empregada diariamente. Bruno confessa:
— Quando tinha que fazer alguma coisa em casa, ficava irritado. Uma vez me dei conta de que não pisava na área de serviço havia três meses!
No início de 2012, Bruno foi transferido para os EUA. Mas a mudança foi muito maior do que a de emprego. Num país em que uma faxineira custa US$ 130 (cerca de R$ 260) por três ou quatro horas de serviço, a babá sai a US$ 15 a hora e as creches públicas são raras – custando, as privadas, ao menos US$ 1.000 em horário parcial —, a família passou por uma revolução doméstica.
Para facilitar a adaptação, Melina passou a trabalhar de casa e a divisão de tarefas virou lei. Ela cuida da filha, cozinha, lava e seca as roupas e mantém a ordem na área social. Bruno, que trabalha em horário integral, fica com a limpeza pesada, geralmente aos sábados: lava três banheiros, cozinha e áreas de serviço e externa. À noite, ajuda com a louça – e tem que cuidar da própria roupa, que separa para lavar e guarda quando seca.
— Foi um choque, um estilo de vida que só via em filmes. Mas a cultura do faça-você-mesmo tem seus ajudantes: eletrodoméstico para tudo; os produtos de limpeza são potentes e fáceis de manejar; até os tecidos amassam menos — afirma Melina.
Bruno acrescenta que os serviços fora de casa cabem no orçamento. Suas camisas sociais vão para a lavanderia. Se custavam R$ 10 cada no Brasil, saem a menos de US$ 2 (menos de R$ 4) em Fallschurch, subúrbio da Virgínia.
— Mas é a organização, aprender a usar agenda diariamente, que demonstra que você pode fazer. Pode não ficar perfeito, mas é satisfatório — garante Bruno.
Olívia, hoje com 3 anos, não fica de fora: brincando, ajuda na lavanderia, com a lava-louça e na hora de fazer a cama. E não pode trocar de brincadeira sem guardar os objetos da diversão anterior.
— A brincadeira de hoje é o hábito de amanhã. Queremos que ela leve isso para o Brasil — explica Melina, que vai colocar Olívia na creche a partir de agosto para voltar a trabalhar meio expediente.
Quando a ajuda é indispensável, o setor público nos EUA se apresenta, por exemplo, com o auxílio a crianças com deficiência. Christiane, de 36 anos, e Diego Bonomo, de 31, são pais de Vito, que nasceu com síndrome de Down e tem 2,9 anos, e Lara, de 1,8 ano. Não era opção largar o emprego ou trabalhar meio expediente.
Os brasileiros recorreram ao estado da Virgínia, que, após pesquisa domiciliar, passou a pagar 11 horas de atendimento em casa a Vito. A criança, embora frequente creche de 9h às 12h, tem atividades terapêuticas obrigatórias ao seu desenvolvimento nos outros horários e precisa de quem o acompanhe.
A família contratou uma segunda pessoa, no esquema de au-pair (universitária brasileira que mora em casa e tem estudo e seguro-saúde pagos pelo casal).
— Mas só temos ajuda quando estamos fora de casa. Das 6h às 7h30, nós é que arrumamos, damos café. Um de nós sai mais cedo e outro mais tarde, negociado com os patrões, em dias alternados, para podermos deixar o Vito na escola. Na saída, nós que pegamos. Quando entramos em casa, 17h30, 18h, não tem mais ajuda. Damos comida e banho, brincamos e colocamos para dormir. A empregada dorme, mas o horário dela acaba muito antes — explica Chris.
Diego considera o ambiente nos EUA propício à organização:
— Facilita a forte cultura familiar, ao menos nas grandes empresas dos EUA, porque há espaço para você negociar horário com os chefes, porque ele mesmo tem necessidades a atender. O transporte público também ajuda, eu não uso carro, saio correndo do trabalho e pego metrô para chegar na escola. Às sextas-feiras, quando o casal quer sair, eles pagam adicional à funcionária que dorme, como baby sitter.
— Não está no contrato dela, então é hora extra — diz Chris.
Criados com empregados, Chris e Diego consideram a nova legislação brasileira um grande avanço e esperam que ela gere uma sacudida no machismo brasileiro. Tentarão, na volta ao Brasil, em julho, manter a estrutura mais enxuta possível e reproduzir o esquema pessoal que têm em casa — mesmo desejo de Bruno e Melina.
— Acho que no Brasil se terceiriza demais a criação dos filhos. A mulher quer sair do trabalho e ir à academia. Eu também vou à academia, mas quando posso: na minha hora de almoço. Encerrado o trabalho, a vida é da família. Essa é uma escolha que se faz quando se decide ser mãe e pai — afirma Chris.
Já a coordenadora de um grande escritório paulista de arquitetura em Nova York, onde mora há 20 anos — 16 deles com o marido, o executivo do mercado financeiro André Soares —, a carioca Lenka Soares, de 39 anos, tem em casa hoje um regime parecido com o proposto pela nova legislação brasileira. Desde que sua filha, Catarina, hoje com 4 anos, nasceu, ela contratou uma babá mineira que trabalha oito horas por dia de segunda a sexta-feira (a diária custa US$ 120) e ganha US$ 15 a mais por cada hora extra.
— Aqui a vida é mais complicada, não tenho a liberdade de ir e vir, mas estou acostumada. Quando saio à noite, o que é raro, chamo uma baby sitter (US$ 15 por hora mais US$ 20 de táxi após as 21h). O lado bom é que a família fica mais unida, as crianças têm os pais mais presentes. Meu marido chega cedo do trabalho, enquanto no Brasil as pessoas que fazem o mesmo que ele só estão em casa depois das 21h, 22h. Jantamos os três juntos às 19h15 todas as noites — conta ela. — O André sempre ajudou muito. O pai aqui precisa ser muito mais participativo, aprende a ficar sozinho com os filhos. Nos fins de semana os dois saem bastante juntos. No Brasil não vejo os pais passarem nem meia hora sem uma babá do lado.
Lenka lembra que, para facilitar, a maioria das suas amigas de Nova York tem os filhos estudando em horário integral, das 8h30 às 15h30, a partir dos 3 anos.
— Pior do que a falta de serviço é a falta de ajuda familiar. Não existe ligar para um amigo dizendo "vou deixar minha filha aí porque tenho uma reunião". Ninguém tem esquema, então é cada um por si. Mas assim criamos crianças mais independentes. Desde os 2 anos minha filha come sozinha, escova os dentes e mantém o quarto impecável — diz.
Quando decidiu se mudar de São Paulo para Nova York, em 2008, após dez anos de trabalho na American Express, o administrador Cid Uehara, que hoje trabalha como motorista particular, sabia que dali para frente tudo seria diferente na rotina doméstica da família.
— Minha filha quando chegou aqui, com 10 anos, nunca tinha feito uma cama na vida. Hoje ela lava louça, banheiro, arruma a casa, toma conta do irmão. Ele tem 9 anos e é o responsável por botar o lixo pra fora. Três vezes por semana coleta os lixos dos quartos e banheiros, junta com o da cozinha, separa para reciclar em três grupos diferentes (orgânico, papel, vidro com plástico). Também arruma a própria cama — conta, lembrando que no estado de Nova York é proibido deixar menores de 15 anos em casa desacompanhados, e, agora que chegou a essa idade, a menina vai poder ajudar ainda mais. — Aqui nós nunca tivemos empregada na vida, nem por um dia, porque é muito caro.
Em Manhattan, uma diarista cobra entre US$ 80 e US$ 120 por um período de três ou quatro horas.
— A maior mudança foi a criação de uma responsabilidade que no Brasil não teríamos. Lá certamente haveria uma pessoa para arrumar a casa. Não foi uma opção nossa. Aqui você obrigatoriamente tem que fazer o que alguém faria por você. Mas foi bom principalmente para os meus filhos. Nos EUA tudo é mais fácil. Basta dizer que comer fora é mais barato do que cozinhar em casa — diz Uehara.
06 de abril de 2013
Flávia Barbosa e Isabel De Luca - O Globo
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