Estou neste momento no Brasil para o nascimento do meu quarto neto, Luiz Felipe. O garotinho nasce num momento conturbado da vida nacional. Eis que por toda a parte irrompem manifestações iradas. Assisti a tudo, estarrecido, pela televisão.
Todo mundo foi pego de calça curta — políticos e autoridades, sociólogos e politólogos, economistas e jornalistas. Como disse Keynes certa vez, “o esperado nunca acontece; é o inesperado sempre”.
Ninguém, que eu saiba, antecipou a escala das manifestações. Apesar da surpresa geral e unânime, não faltam explicações, análises, teorias. Aqui estou neste momento improvisando as minhas.
Na verdade, tenho apenas uma e solitária hipótese: as manifestações de rua no Brasil, a exemplo de episódios similares em outros países nos anos recentes, traduzem um colapso da confiança na democracia.
O cidadão comum sente-se cada vez menos representado pelos partidos, pelos políticos e pelos governos. No Brasil, como em outros países, as manifestações não são contra determinadas correntes partidárias ou a favor de outras. Se entendi bem, o brasileiro vai à rua contra “tudo que está aí”.
A desilusão com a democracia representativa é muito disseminada — mesmo em países com larga tradição democrática e instituições supostamente sólidas e experimentadas. Quando a desilusão política se combina com dificuldades econômicas e sociais, explode a insatisfação.
Já cabe perguntar se a palavra democracia não deveria ser sempre aspeada. “Governo do povo, pelo povo e para o povo”, na célebre definição do maior presidente dos Estados Unidos, a “democracia” reduz-se cada vez mais a um conjunto de rituais vazios de conteúdo democrático.
Para que votar? — pergunta o cidadão.
E com certa razão. O mercado domesticou a urna. O eleitor vota, o político se elege, mas o poder econômico dá as cartas antes, durante e principalmente depois das eleições.
O dinheiro sempre mandou, não há dúvida. Mas, nos tempos recentes, manda como nunca. A turma da bufunfa é a face oculta, ou nem tanto, dos poderes eleitos. Estes fazem, não raro, mera figuração. Nos bastidores, o bufunfeiro exerce sua insidiosa influência.
Uma das razões é o custo gigantesco das campanhas políticas. Sem apoio da bufunfa, nenhum partido, nenhum candidato é competitivo.
Em uma palavra: a política foi colonizada pelo dinheiro. E a “democracia” se transfigurou em plutocracia.
Como espantar-se se um número cada vez maior de “eleitores” prefere a ação direta?
Para citar Lincoln uma vez mais, “pode-se enganar alguns o tempo todo, todos por algum tempo, mas não se pode enganar a todos o tempo todo”.
22 de junho de 2013
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.
NOTA AO PÉ DO TEXTO
Ante a análise precisa, e hoje mais do que transparente, fica a FRASE DO DIA - sem destaque - com toda a sua inconsistência demagógica pronunciada pela Presidente Dilma em seu estupefato discurso, diante dos fatos avassaladores que tomaram as ruas:
"É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar.” Dilma
m.americo
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