Nicolas Bourcier e Benoit Hopquin
Enviados especiais ao Rio de Janeiro e São Paulo
Enviados especiais ao Rio de Janeiro e São Paulo
Uma maré humana, um dilúvio de cartazes e faixas coloridas com humor e malícia, as calçadas, as avenidas e as autopistas tomadas de assalto e transformadas em palanques improvisados: o Brasil passou no dia 20 por um dia excepcional de protestos, de uma dimensão bem maior que a dos anteriores. Mais de um milhão de pessoas, segundo os últimos números da noite, o suficiente para levar a presidente Dilma Rousseff a cancelar uma viagem prevista para o Japão e convocar uma reunião de crise com seus ministros mais próximos na sexta-feira de manhã.
Com cerca de 300 mil manifestantes somente na cidade do Rio de Janeiro, a cidade carioca levou às ruas três vezes mais gente do que na manifestação de segunda-feira, já considerada como uma das maiores dos últimos vinte anos. Foram dezenas de milhares de manifestantes desde o início da tarde em uma centena de cidades.
Segundo a contagem da mídia, 110 mil manifestantes saíram às ruas em São Paulo, 110 mil em Vitória, 50 mil em Recife, 30 mil em Goiânia, Cuiabá e Manaus. Um fato marcante foi o protesto ter se propagado para as cidades menores do país. Em Búzios, a cidade balneária situada ao norte do Rio e apelidada de "Saint-Tropez brasileira", cerca de duas mil pessoas expressaram sua insatisfação com a estrutura política tradicional, a corrupção, os serviços públicos precários --como saúde e educação-- e as somas colossais investidas nos eventos esportivos que se aproximam (Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016).
Também cresceu o número de confrontos com a polícia, que resultaram em dezenas de feridos e um morto. Marcos Delefrate, 18, faleceu depois de ter sido atropelado por um carro em Ribeirão Preto, a 300 quilômetros de São Paulo. De acordo com um vídeo divulgado pelo jornal "Folha de São Paulo" em seu site, o veículo tentou forçar a passagem no meio de um grupo de manifestantes, atropelando várias pessoas, dentre elas a vítima.
Em Salvador, na Bahia, houve confrontos violentos entre uma parte dos 20 mil manifestantes e as forças policiais enviadas em peso. Em Brasília, onde 30 mil pessoas foram até a Esplanada dos Ministérios, houve confrontos no momento em que manifestantes entraram no recinto do Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores.
Uma multidão imensa, jovem e não tão jovem, oriunda de todas as classes sociais, de todos os bairros, se encontrou a partir das 17h e pacificamente na imensa avenida Presidente Vargas, no coração do bairro empresarial e comercial da cidade carioca. O prefeito Eduardo Paes, que havia anunciado na véspera uma diminuição na tarifa dos transportes coletivos, assim como em quinze outras cidades, foi debochado profusamente pelos manifestantes.
"Pessoas foram tiradas à força de suas casas por causa das obras ligadas à Copa e aos Jogos Olímpicos, e para quê? Agora elas moram a mais de duas horas de seu trabalho", desabafa Cleyde, jovem assistente social. Em pé, abraçada a suas amigas, ela distribuía, em um alegre rebuliço, cartazes escritos "Saímos do Facebook", "Copa das Manifestações", "V de Vinagre" ou "Amanhã será um dia melhor".
Os primeiros confrontos ocorreram tarde da noite, diante do prédio da prefeitura, situado a cerca de dois quilômetros do mítico estádio do Maracanã. A polícia atirou gás lacrimogêneo e balas de borracha contra grupos de manifestantes. As cenas de violência se multiplicaram em torno dos bairros da Lapa, Glória e Cinelândia. Pelo menos 40 pessoas foram detidas.
Em São Paulo, na avenida Paulista, vitrine do milagre econômico brasileiro, mais de 100 mil manifestantes voltaram na quinta-feira para gritar que eles não se encontravam nessa imagem idealizada. Eles marcharam pacificamente entre os prédios de vidro, sedes de empresas ou sucursais de bancos, argumentando que não tinham os dividendos dessa prosperidade exibida com ostentação. Eram em sua maior parte jovens, enrolados no emblema nacional e pintados de cores auriverdes, pedindo por mais justiça social.
Eles rascunharam às pressas em pedaços de cartolina suas revoltas e suas esperanças. Eles se superaram em criatividade e rimas, lirismos lado a lado com insultos contra políticos. Natassia Araújo, 26, escreveu: "Queremos mudar nosso país. A vida é confortável demais para nossos políticos, mas não o suficiente para o povo". Essa consultora esteva nas manifestações da semana passada e voltou todos os dias. Ela diz pertencer à "classe média", de onde saiu a maior parte dos manifestantes. Nas últimas eleições, ela votou em branco, já que não acredita em mais nenhum candidato.
Fabio Piedade, 52, um engenheiro, foi acompanhar seu jovem filho. "Acho esse movimento magnífico", explica o pai. "Na minha época, não tínhamos oportunidade de fazer isso". Sobre o boom da economia brasileira, ele diz: "Sim, eu sei, dizem que está indo tudo bem em nosso país. Mas, por trás dos slogans, há o dia a dia. O custo de vida só aumenta e os salários não acompanham."
Job Mendes e André Meneghetti, de 16 anos, foram porque seus amigos estavam lá e porque existe "uma chance de mudar as coisas em nosso país". Eles agitam um cartaz criticando a FIFA, a Federação Internacional de Futebol, porque a Copa do Mundo e os bilhões gastos no país enojaram tanto quanto os vinte centavos de real do aumento da passagem de ônibus. Em um cartaz, era possível ler: "Os professores têm tanto valor quanto Neymar", referência ao novo astro do futebol brasileiro.
No final da noite, os manifestantes foram aos poucos liberando a avenida Paulista. Antes de ir para casa, centenas deles abandonaram seus cartazes na calçada, perto da estação de metrô Trianon-Masp. E assim se espalharam os sonhos de uma juventude que os varredores juntariam na manhã seguinte. Que seja! Amanhã ou depois de amanhã, eles bolarão outros! Em São Paulo, no Rio ou em outro lugar.
22 de junho de 2013
Tradutor: UOL
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