O Brasil de dona Dilma vai mal quando cai o dólar, vai mal também quando sobe. É um país invejável. Em todo o mundo, oscilações das moedas principais podem causar tensão e mexer com as bolsas, mas neste país o desarranjo tem sido maior. Em tempos de valorização, o real dispara. Diante da política frouxa no mundo rico, ninguém falou tanto quanto as autoridades brasileiras em tsunami monetário e em guerra cambial. Se o sinal se inverte, como nos últimos dias, a depreciação do real também é maior, como na quinta-feira. Em nenhum outro mercado o dólar chegou a subir 2,45%.
A grandeza é a marca nacional. "Temos muita bala na agulha", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurando tranquilizar os brasileiros enquanto crescia a turbulência nos mercados. Até o arsenal de intervenção é superior. Nas armas comuns, a conta é uma bala por agulha.
Quanto ao volume de reservas, US$ 376,11 bilhões no dia 19, o ministro Mantega tinha razão. O governo dispõe de bom volume de moeda estrangeira para combater a variação excessiva do câmbio. Mas nem sempre isso basta. Na quinta-feira, o Banco Central ofereceu cerca de US$ 3 bilhões, com escasso resultado. Numa crise prolongada, as reservas se perdem e sai vitorioso quem joga contra a moeda nacional.
É cedo para saber quando os mercados se acomodarão e onde estará o real nesse momento. De toda forma, o governo daria um passo no rumo certo se reconhecesse o mau estado da economia, a tendência de piora de vários indicadores e a vulnerabilidade do País.
O pessoal da Standard & Poor's explicou direitinho por que impôs um viés negativo à perspectiva econômica do País. Os economistas da Moody's também justificaram tecnicamente a decisão de reavaliar a economia brasileira. Não é preciso, no entanto, ter alguma formação econômica para perceber muita coisa fora dos eixos. O alerta das agências de classificação de risco e a perda de popularidade mostrada nas pesquisas sobre o governo apareceram praticamente ao mesmo tempo. Simples casualidade? É difícil e arriscado sustentar essa hipótese, especialmente quando se consideram as reivindicações apresentadas nas passeatas - muito mais amplas que a mera exigência de redução das tarifas de transporte público.
Na quinta-feira, dirigentes do PT conclamaram militantes para entrar nas passeatas com camisas vermelhas e bandeiras do partido. Tentaram e foram rechaçados. Boa parte dos envolvidos nas marchas deve ter votado, no entanto, em Lula, em Dilma e em vários de seus companheiros, incluídos alguns postes. Não está claro se perceberam, mas vários protestos - alguns dos mais notáveis - foram contra iniciativas e políticas federais dos últimos dez anos. Pessoas de espírito mais prosaico já haviam classificado como irresponsabilidade o compromisso de organizar e hospedar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Já haviam chamado a atenção, há anos, para o atraso das obras, para o aumento dos custos e o risco de bandalheiras, quando fosse preciso compensar o tempo perdido.
A organização Contas Abertas, especializada no acompanhamento das finanças públicas, atualizou com frequência os valores comprometidos e as previsões de desembolso. Quem quisesse poderia acompanhar pela internet, sem maior esforço, a formação de mais um imbróglio financeiro e econômico. Novos gastos, alguns muito pesados e de relevância mais que discutível, foram postos no alto da escala de prioridades, tornando mais bagunçada uma gestão pública já muito ruim.
A perda de tempo e boa parte do encarecimento das obras decorreram de um escandaloso desleixo do governo. Nada, ou quase nada, foi feito no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele batalhou com empenho para trazer as competições ao Brasil e foi vitorioso em 2007. A partir daí, parece haver esquecido o assunto. O trabalho duro ficou para o governo seguinte, já herdeiro de uma inflação elevada, de uma economia com baixo padrão de investimentos e de contas externas em situação de risco. Os dados básicos são claros:
1. Nos dois primeiros anos do novo governo o produto interno bruto (PIB) ficou estagnado, com expansão de 2,7%, em 2011, e 0,9%, em 2012. O quadro continua feio em 2013, mas a obrigação de gastar com a Copa e com os Jogos Olímpicos permanece em pé.
2. Enquanto isso, pioram as contas públicas, arrasadas pela gastança, pela multiplicação irresponsável de incentivos fiscais improvisados e também de transferências do Tesouro para os bancos federais. A grande preocupação do governo, nessa área, é inventar meios de continuar fingindo fidelidade à política de metas fiscais. Os truques contábeis empregados até há pouco tempo já foram escrachados.
3. A inflação tem recuado ligeiramente, mas a parcela de itens com elevação de preços ainda supera 60%. A desinflação dos alimentos terminou e os grandes fatores inflacionários, como a gastança federal, permanecem.
4. O Banco Central refez as projeções das contas externas e elevou de US$ 67 bilhões para US$ 75 bilhões o déficit em conta corrente esperado para 2013. As exportações, nesse quadro, serão 2,22% maiores que as do ano passado. As importações aumentarão 7,97% e o superávit comercial diminuirá 63,93%, de US$ 19,41 bilhões para US$ 7 bilhões.
Que fazer? Há uma pauta evidente na área dos investimentos, na tributação (até agora sujeita a remendos mal escolhidos e mal costurados), na educação (com a redefinição urgente de padrões e prioridades) e no campo da tecnologia. Na hora do aperto, no entanto, a presidente corre para ouvir seu padrinho, guru e conselheiro mor da República e da Prefeitura de São Paulo, como se ele fosse inocente da maior parte dos grandes problemas de hoje, incluído o abacaxi multibilionário dos grandes jogos.
22 de junho de 2013
Rolf Kuntz, O Estado de São Paulo
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