"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 16 de junho de 2013

NOTAS POLÍTICAS DO JORNALISTA ELIO GASPARI

"A página esquecida da cultura brasileira"
 
Morreu Jacob Gorender, tendo deixado seu magnífico “Combate nas trevas”, em que conta as ilusões armadas da esquerda brasileira nos anos 70. Com ele, foi-se um pedaço da memória da usina de livros e fascículos da editora Abril, produto da visão empresarial de Victor Civita.
 
“Seu” Victor achava que a história segundo a qual brasileiro não lê era uma lenda e decidiu lançar uma coleção intitulada “Gênios da literatura universal”. A cada semana, punha nas bancas de jornais um grande romance, acompanhado por um fascículo com a vida do autor.

Começou com “Os Irmãos Karamázov”, anunciando que a série teria 50 volumes. Deram-no por doido, pois, se o primeiro livro vendesse menos de 50 mil exemplares, a coleção iria a pique. Ele informou: “Vocês são contra, mas eu tenho 51% das ações, e isso será feito.” Dostoiévski vendeu 270 mil exemplares.
Seguiram-se os “Gênios da literatura brasileira”, “Os economistas” e os “Os pensadores”. Platão vendeu 250 mil exemplares. As coleções da Abril levaram para as bancas de jornais cerca de 12 milhões de livros, e ela tornou-se a maior editora de livros de filosofia do mundo.
 
Nesse empreendimento, estiveram o diretor da operação, Pedro Paulo Poppovic, e a rede de intelectuais por ele mobilizada. Nela, havia 300 professores que a ditadura deixara sem trabalho. Jacob Gorender traduzia filósofos alemães numa cela do presídio Tiradentes, e Pedro Paulo publicava seu trabalho com o nome da mulher, Idealina.

Libertado, tornou-se funcionário da Abril Cultural, trabalhando ao lado de uma jovem que gostava de teatro chamada Maria Adelaide Amaral. A coleção “Os pensadores” foi dirigida pelos filósofos José Américo Motta Pessanha (posto para fora da UFRJ), com o apoio de José Arthur Giannotti (cassado pela USP). A redação dos fascículos era dirigida por Ari Coelho, professor de Química expulso da Universidade de Brasília.
 
Poppovic calcula que a polícia visitou a Abril Cultural em pelo menos 15 ocasiões. Em alguns casos, os redatores valiam-se de uma rota de fuga. Ele lembra que, em nenhum momento, Civita perguntou-lhe quem trabalhava lá, nem o que a polícia queria.
 
Um dia, alguém resgatará a história do maior empreendimento cultural ocorrido durante a ditadura, com o mais absoluto sucesso.
 
 
A Fiocruz e a porta giratória da Axismed
 
O presidente da Fiocruz, doutor Paulo Gadelha, contesta a nota aqui publicada informando que a instituição entregou a diretoria executiva do seu plano de saúde a José Antonio Diniz de Oliveira, estranho aos quadros da fundação, que trabalhou na empresa Axismed. No cargo, ele teria transferido exatamente para a Axismed a gestão da FioSaúde.
 
Tem toda a razão. A Fiocruz ainda não assinou qualquer contrato com a Axismed. Fica aqui o reparo.
 
Na sua reunião de 22 de abril, a diretoria colegiada da FioSaúde deliberou sobre o “aceite da proposta da Axismed" para o programa de atenção a doentes crônicos e classificou ao caso o status de “concluído”. Na semana passada, o conselho da FioSaúde adiou para o fim do mês a decisão final sobre essa proposta.
 
No dia 22 de março, a FioSaúde divulgou uma apresentação de 45 páginas tratando dos seus serviços em termos gerais. Nela, um capítulo e uma tabela tinham o seguinte título: “Destaques do Plano de Trabalho 2013”. A fonte da tabela era a Axismed.
 
Cada capítulo tinha um provérbio como epígrafe. O do “Plano de Trabalho 2013”, saído da sabedoria chinesa, ensinava: “Nós até podemos escolher o que semear, mas necessariamente vamos colher o que plantamos.”
 
A Fiocruz disse que seu programa de visitas hospitalares não fora cancelado. No dia 5 passado, o diretor técnico da FioSaúde informou à sua equipe: “O programa ‘Visita Hospitalar’ foi de fato cancelado”.
 
 
Bom humor
 
O deputado Henrique Alves mal tinha assumido a Presidência da República na interinidade resultante da viagem da doutora Dilma a Portugal, e tocou o telefone. Era o vice-presidente Michel Temer, que estava em Paris. Alves foi rápido:
 
“Muito obrigado pelo telefonema, Temer, mas não me peça cargos para o PMDB.”
 
Paris é uma festa. Fica perto da Vandália, no leste da Alemanha, mas longe dos vândalos. Na semana passada, com o Centro de São Paulo conflagrado, lá estavam também o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad. Como diria a romancista Françoise Sagan, “é melhor chorar num Rolls-Royce do que rir num ônibus”.
 
 
Passe livre
 
 
O Movimento Passe Livre sustenta que o transporte público deve ser gratuito. É maluquice, mas o MPL do andar de cima, sustentado pela Viúva, existe e vai bem, obrigado.
 
Num cálculo paternal, há hoje pelo menos 15 mil maganos que não pagam transporte e têm motorista. Os governos simplesmente não sabem o tamanho de suas frotas.
 
Cada hierarca justifica a necessidade de ter carro e motorista. O que nenhum deles explica é por que na Corte Suprema dos Estados Unidos só o presidente do tribunal usufrui desse mimo.
 
Quando Lawrence Summers era o principal assessor econômico do companheiro Obama, queixou-se de que não tinha carro oficial. Continuou queixando-se, até ir embora.
 
 
Pedra cantada
 
Depois de vender o Hotel Glória, quando a administração do Maracanã privatizado ficar de pé, Eike Batista deverá colocar no mercado a IMX, sua empresa de eventos, na qual o estádio é a joia da coroa.
 
 
Registro
 
Na noite de quinta-feira, antes de a PM paulista ter provocado a batalha da Maria Antônia 2.0, os manifestantes que estavam diante da escadaria do Teatro Municipal cuidavam para que o trânsito da Rua Xavier de Toledo fluísse normalmente. Nenhum policial fazia esse serviço.
 
Pouco antes das 18h, quando a multidão engordou, quem parou os carros não foi qualquer jovem, muito menos punk com cabelo de moicano. Foi o doutor Plínio de Arruda Sampaio, de 82 anos, fundador do PT e militante do PSOL. Com a mão espalmada, ele parou um ônibus e ficou conversando. Pouco depois, foi para uma calçada.
 
Durante o bloqueio, os manifestantes abriram espaço para a passagem de três furgões da polícia.
 
 
Xenofobia
 
Em 1997, quando o tucanato contratou empresa de consultoria para pesquisar um modelo para o comércio internacional brasileiro em Brasília e nas embaixadas no exterior, houve algumas caras feias. Parecia estranho entregar a uma empresa internacional livros da diplomacia de Pindorama. Coisa de xenófobos que não entendiam o fenômeno da globalização. Anos depois, a mesma empresa entregou ao Ministério da Fazenda um estudo para a reestruturação do sistema financeiro nacional.
 
Agora se vê que a empresa centenária, dividida em duas, isoladas, ficou com dois braços. Um só opera com o governo americano, tendo se tornado um grande prestador de serviços de segurança, inclusive para a National Security Agency. Nela, trabalhava Edward Snowden, o jovem de 29 anos que detonou o grampo mundial do companheiro Obama.

16 de junho de 2013
Elio Gaspari, O Globo

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