"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 16 de junho de 2013

"INSATISFAÇÃO"

 
Nas décadas de 1960 e 1970, secundaristas e universitários lutaram bravamente contra uma ditadura e a favor de utopias sedutoras. Muitos morreram e foram torturados quase ainda crianças.
 
Nos anos 1980, novas gerações lutaram nas ruas pelas "diretas, já". E, nos 1990, milhares pintaram a cara pelo impeachment de Collor. Mais do que demolir um presidente indesejável, sonhavam edificar um país mais justo, mais decente.
 
A década de 2000 passou em branco. Inebriados pelo mito Lula e a miragem da esquerda pura e ética, os movimentos acomodaram-se e a estudantada recolheu-se à sala de aula. Utopias e sonhos coletivos cederam às ambições pessoais. O "cada um por si" venceu o "um por todos, todos por um".
 
As manifestações de agora começaram por 20 centavos a mais na passagem de ônibus em São Paulo e alastraram-se para Rio, Curitiba, Goiânia, Teresina e outras capitais. Coincidiram com os tambores de guerra dos índios e podem ser o fim da longa hibernação, um sinal para os Poderes da República. Basta de violência, de desvios, de impunidade.
 
É nesse clima que o país é informado de uma tal "Resistência Urbana - Frente de Movimentos e Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa". No Rio, fazem passeatas. Em Brasília, queimam pneus e fecham avenidas contra a farra dos estádios com dinheiro público.
 
E os protestos vão longe. Pela internet, o novo "Democracia não tem fronteiras" convoca estudantes e trabalhadores brasileiros para manifestações, terça-feira, em 30 cidades de 15 países.
 
Seria ingenuidade imaginar que tudo isso é uma enorme coincidência e que não há nenhuma conexão entre grupos e manifestações --ao menos uma mesma motivação.
 
O espectro da insatisfação ronda o Brasil. E pode explicar até a inexplicável violência de policiais --eles próprios são cidadãos irritados.

16 de julho de 2013
Eliane Cantanhede, Folha de São Paulo

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