Com cartazes, carro de som e gritos coletivos, aproximadamente 700 pessoas se reuniram na frente da Catedral da Sé, no centro de São Paulo, na tarde deste sábado, 15, em protesto contra o projeto que prevê a criação do Estatuto do Nascituro, em tramitação na Câmara dos Deputados. Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido, de acordo com o estatuto, que dá direitos ao embrião e cria incentivos com o objetivo de evitar abortos mesmo em casos que hoje são autorizados.
Em sua maioria mulheres, parte delas ligadas a movimentos feministas, os manifestantes portavam cartazes defendendo a descriminalização do aborto e criticando a pensão alimentícia que o estatuto propõe para mulheres que engravidarem em ato de violência sexual – o que vem sendo chamado de bolsa-estupro.
O microfone ficou aberto durante a maior parte do ato, a partir das 13h30, e, no discurso de várias mulheres, além de críticas à Igreja e à bancada evangélica, foram ouvidas cobranças à presidente Dilma Rousseff.
“Queremos um posicionamento da presidente Dilma, que é mulher. Ela não pode ficar calada. Presidenta, abra a boca. Diga o que você pensa sobre o projeto. Se é favor do nascituro ou se é a favor das mulheres. Se está do lado do estuprador ou da vítima. Queremos que os governantes se coloquem”, disse Paula Kaufmann, de 21 anos, integrante do coletivo Juntas, formado por jovens feministas. Ela levava um cartaz que dizia “Meu corpo minhas regras”.
Com um cartaz dizendo “Somos mulheres, não incubadoras”, Evelyn Nimtz, de 29 anos, disse que veio ao evento para defender a descriminalização do aborto e o direito de a mulher decidir se deve levar adiante ou não uma gravidez. “Queremos o apoio do governo caso eu decida abortar. Quero poder fazer em um hospital público e seguro”, disse, ao lado da amiga Isabele Bargmann, que carregava cartaz com a frase “Estuprador não é pai”.
Entre os vários gritos de guerra ouvidos na praça, cantados também pela minoria de homens que compareceu, estavam: “Estuprador é na prisão, com a bolsa-estupro ele vai para a certidão”, “Cadê o homem que engravidou? Por que o crime é da mulher que abortou?” e “Se o papa fosse mulher, o aborto seria legal. Seria legal e seguro”.
Às 16h, o movimento, que estava inteiro na praça, começou a circular por ruas próximas, mas voltou ao local menos de 30 minutos depois. A manifestação encerrou às 16h45. O protesto foi organizado no Facebook a partir de uma página publicada pelo movimento Machismo Nosso de Cada Dia. 17 mil pessoas haviam confirmado, nas redes sociais, presença no evento.
DISCUSSÃO. Durante o ato, havia cerca de 10 pessoas contrárias ao aborto em pé na entrada da Cadetral da Sé rezando. Uma discussão se formou depois que um homem que estava rezando colocou a mão sobre a cabeça de uma mulher. “Ele parecia querer me exorcizar. Foi uma agressão simbólica”, disse Giselle dos Anjos Santos, de 27 anos, historiadora. Lucas de Carvalho, de 33 anos, disse que estava apenas rezando por ela. “Não exorcizei porque não tenho esse poder. Estava rezando para que ela tivesse a paz de Cristo no coração dela”, disse Lucas, que estava com o filho.
Ao perceber a discussão, ainda que pacífica, entre Lucas e algumas amigas de Giselle, a maioria dos manifestantes – que se espalhava pela praça da Sé – resolveu se aproximar mais da igreja. “Vem, vem, vem para a escada, vem contra o estatuto”, gritaram os manifestantes. Algumas pessoas ficaram tensas, mas não houve agressão.
Depois de algum tempo dividindo as escadas, as pessoas que rezavam na entrada da igreja se uniram em uma roda de oração, ao final da qual se retiraram sob fortes vaias e mais cantos.
Uma das pessoas que se posicionavam contra o aborto era a escritora Mônica Lopes, de 47 anos. Ela carregava um banner com uma imagem de rosto de Jesus Cristo, com 1,5 m de altura. “Sou radicalmente contra o aborto. Eles vieram protestar na frente da igreja e eu vim proteger a minha fé”, disse Mônica, católica, que assistiu à missa que terminou ao meio-dia e resolveu ficar no local.
PASSE-LIVRE. Durante o ato, foram lembrados os protestos contra tarifa de transporte público municipal, que vêm sendo organizados pelo Movimento Passe Livre. O público aplaudiu muito cada menção às manifestações e foi convidado a comparecer à próxima, que está marcada para a segunda-feira, dia 17. Um dos cantos durante o ato parece com um ouvido nos protestos contra a tarifa:
“Vem para a rua, vem, contra o estatuto”. No caso, a palavra “estatuto” substituiu “aumento”.
16 de junho de 2013
Breno Pires - Estadão
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