O texto abaixo é o resumo de uma crônica da americana Dorothy Parker publicada em coletânea organizada e traduzida por Ruy Castro no livro Big loira e outras histórias de Nova York, de 1987. Chama-se Você estava ótimo.
O rapaz de tez pálida acomodou-se lenta e cuidadosamente no sofá e reclinou a cabeça em direção a uma almofada fresca que lhe confortasse a face e a têmpora.
– Aiii – gemeu. – Ai, ai, ai. Aiii.
A jovem de olhos claros, sentada firme e ereta na poltrona, lançou-lhe um sorriso malicioso.
– Não está se sentindo bem hoje?
– Oh, estou ótimo, borbulhante, eu diria. Sabe a que horas eu me levantei? Às quatro da tarde, em ponto. Tentei me levantar antes, mas toda vez que punha a cabeça para fora do travesseiro ela rolava para debaixo da cama.
– Quer um drinque para se sentir melhor?
– Para afogar a ressaca em mais bebida? Não, obrigado, parei de beber, de vez, nem mais uma gota. Diga uma coisa: eu me comportei mal ontem à noite?
– Ontem? Ora, que nada. Todo mundo estava meio alto. Você estava ótimo.
– Alguém reclamou de mim?
– Deus do céu, claro que não. Todo mundo achou você terrivelmente engraçado. Claro, Jim Pierson ficou um pouco brabo com você durante o jantar. Mas conseguiram segurá-lo na cadeira e ele se acalmou.
– Jim queria me bater? O que foi que eu fiz?
– Ora, você não fez nada. Você estava ótimo. Mas sabe como Jim fica quando pensa que alguém está dando em cima de Elinor.
– Eu estava cantando Elinor? – disse ele.
– Claro que não – ela disse – Você estava só brincando. Ela o achou tremendamente divertido. Só parou de rir um pouco quando você despejou as lulas “en su tinta” pelo decote dela.
– E agora, o que vou fazer?
– Ora, ela vai ficar boa. Mande-lhe flores no hospital. Não se preocupe, não foi nada.
– Cometi mais alguma façanha fascinante no jantar?
– Você estava ótimo. Não seja tolo. Todo mundo estava louco por você. O maître ficou um pouco aborrecido porque você não conseguia parar de cantar, mas, no fundo, não se importou. Só disse que a polícia talvez fechasse de novo o restaurante por causa do barulho.
– Quer dizer que eu cantei. Deve ter sido formidável.
– Não se lembra? Uma música atrás da outra. Todo mundo ficou ouvindo. E adorou. Foi só quando você insistiu em cantar qualquer coisa sobre fuzileiros, que as pessoas começaram a fazer psiu, psiu e você insistia em cantá-la de novo. Foi uma maravilha. Tentamos fazer com que parasse e comesse um pouco, mas você nem queria saber.
– Por quê? Eu não estava comendo?
– Toda vez que o garçom vinha servi-lo você lhe devolvia o prato dizendo que ele era seu irmão postiço, trocado no berço da maternidade por uma quadrilha de ciganos e tudo o que você tinha pertencia a ele. O garçom ficou uma onça com você.
– Bem, o que aconteceu depois desse estrondoso sucesso com o garçom?
– Ah, pouca coisa. Você aparentemente discordou do estampado da gravata de um senhor de cabelos brancos, sentado do outro lado da sala, e foi lá lhe pedir satisfações. Mas conseguimos sair com você do restaurante antes que ele ficasse furioso.
– Ah, fomos embora, saí andando?
– Andando! Claro que sim! Você estava perfeitamente bem. Tanto que, quando você tropeçou no meio-fio e caiu sentado, ninguém se importou. Poderia ter acontecido com qualquer um.
A graça da crônica de Parker é a discrepância entre a versão e os fatos. Lembra a narrativa da presidente Dilma Rousseff sobre a situação da economia, que de resto não tem a menor graça.
Escola. Muito melhor a referência de Dilma aos Lusíadas que as metáforas futebolísticas de Lula. Ao menos se aprende algo.
16 de junho de 2013
DORA KRAMER, Estadão
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