"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 10 de junho de 2013

O ENSINO MUITO ALÉM DOS RANKINGS

Teste avaliará 50 mil alunos do Rio em habilidades como o autocontrole emocional, motivação e colaboração
 

Autoconfiança. Alunos da Escola Estadual Chico Anysio, no Andaraí, praticam esgrima. Objetivo é usar o esporte para desenvolver habilidades como a concentração e autocontrole Foto: Gustavo Stephan
Autoconfiança. Alunos da Escola Estadual Chico Anysio, no Andaraí, praticam esgrima. Objetivo é usar o esporte para desenvolver habilidades como a concentração e autocontroleGUSTAVO STEPHAN
 
Num tempo em que as escolas são cada vez mais avaliadas por rankings, um outro aspecto do ensino vem sendo revalorizado por educadores mundo afora: o desenvolvimento das chamadas habilidades não cognitivas. São competências como autocontrole, motivação, organização e capacidade de trabalhar em grupo. Apesar de não serem mensuradas em testes como os da Prova Brasil ou Enem, estudos vêm comprovando que elas são tão ou mais importantes para o sucesso pessoal e profissional quanto o aprendizado em português, matemática ou outras disciplinas tradicionais.
 
O grande desafio, no caso das habilidades não cognitivas, é que elas são mais complexas de serem avaliadas. No Brasil, o primeiro teste piloto aplicado em larga escala para medir essas competências será realizado em agosto, com 50 mil estudantes da rede pública de ensino do Rio. O projeto é uma parceria do Instituto Ayrton Senna com a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) e das secretarias de Educação do estado e município. O objetivo principal é formar um retrato socioemocioal desses alunos.
 
— Essa é uma discussão mundial. Já sabemos que o desenvolvimento de habilidades não cognitivas é tão importante quanto estudar matemática e português. Avaliar esse processo é uma experiência inovadora no país — explica o pesquisador da USP de Ribeirão Preto, Daniel Santos, consultor do Instituto Ayrton Senna para o projeto.
 
A formulação dos testes contará com o apoio de 12 especialistas, entre eles economistas da OCDE. Até o momento foram desenvolvidos oito modelos de provas de múltipla escolha que serão aplicadas aos alunos dos ensinos fundamental e médio. O questionário varia de acordo com a idade do aluno e as escolas serão escolhidas por sorteio:
 
— Algumas questões são bem simples. Perguntamos, por exemplo, se o aluno está feliz na escola, com quem ele fica em casa, se lê livros. Outras já são mais elaboradas e trabalham características como extroversão, responsabilidade, cooperação, disciplina e sociabilidade. Tenho certeza de que os alunos vão ter prazer em responder, os nomes não serão identificados— diz o pesquisador.
 
Responsável pela área de avaliação do Instituto Ayrton Senna, Tatiana Filgueiras afirma que medir essas competências é identificar quais são as habilidades não cognitivas e quais as que mais impactam, de maneira positiva, no aprendizado na escola:
 
— Já temos algumas pistas: a capacidade de aprender com o erro (persistência, resiliência), de se comunicar de maneira eficaz e de trabalhar em grupo (colaboração) fazem parte delas. O objetivo é medir essas competências para que as políticas de desenvolvimento possam ser desenhadas e implementadas.
Um dos desafios, segundo ela, é como desenvolver essas habilidades nas escolas, sobretudo nos colégios tradicionais:
 
— Pesquisas nos mostram que aumentar o tempo de exposição do aluno à escola, sem alterar a forma pela qual o processo de ensino aprendizagem se dá, não é uma ação efetiva para a melhoria da qualidade da aprendizagem. Acreditamos que o caminho não seja o de criar mais disciplinas. O desafio está em fazer com que elas permeiem, intencionalmente, a relação entre alunos e professores, estando presente ao longo de todo o currículo e de todas as oportunidades educativas.
 
Para a secretária municipal de Educação Claudia Costin, é dever da escola desenvolver essas competências ligadas à inteligência emocional e que a “prova é para saber se esses jovens estão prontos para a vida”.
 
— Temos casos de alunos muito inteligentes, mas que não tem perseverança, muitas vezes abandonam os estudos e correm para os supletivos só para obterem o diploma. Desenvolver essas habilidades é muito importante para que alcancem seus objetivos na vida. Não basta dizer que sonha em ser jogador do Flamengo, é preciso saber o que o qualifica para isso — explica.
 
Desde que o assunto passou a ser discutido mundialmente, algumas escolas incluíram disciplinas nada convencionais nas escolas. São discussões que falam sobre o futuro profissional e a felicidade.
 
No Colégio Estadual José Leite Lopes, na Tijuca, na Zona Norte do Rio, que faz parte do Núcleo Avançado em Educação (Nave), foi criado o Plano Vida, que é direcionado ao aperfeiçoamento pessoal e que “incentiva o jovem a percorrer seu próprio caminho”.
 
Pelo programa, o aluno que acaba de ingressar no ensino médio grava um vídeo dizendo o que ele sonha para o futuro. Após a gravação, o material fica armazenado no Laboratório de Mídia Educação e volta a ser assistido ao final do curso.
 
— Queremos que eles acreditem que podem ser diferentes de suas famílias. É o que chamamos de protagonismo juvenil, que incentiva o jovem a aprender a gerir a sua vida, a começar a entender o impacto de seus atos no futuro. Não adianta um líder ter conhecimento se ele não consegue inspirar sua equipe — diz Paola Scampini, diretora da Educação do Oi Futuro.
 
No Colégio Estadual Chico Anysio, no Andaraí, na Zona Norte do Rio, o “Projeto de Vida” faz parte da grade curricular. Uma vez por semana os alunos se reúnem em times para discutir temas atuais.
 
— É uma reflexão da vida do aluno, uma avaliação dos fatos anteriores, é pensar criticamente sobre suas escolhas e consequências. Para isso, o professor utiliza situações que estão nos jornais ou pode ser até uma cena de novela — diz Maria Aparecida Freitas, coordenadora do programa Dupla Escola do governo estado — Há muitos alunos que fazem escolhas oníricas, que estão completamente fora da realidade deles sem planejamento.
 
Aulas de esgrima e luta olímpica, que são modalidades que exigem concentração, autoconhecimento e disciplina, também foram inseridas no programa.
 
— Esses esportes trabalham justamente essas habilidades não cognitivas, que ajudam o jovem a ter autonomia, autoestima e a trabalhar em grupo — explica o subsecretário de Gestão da Rede de Ensino da Secretaria de Educação do estado, Antônio Vieira Neto.
 
Aos 13 anos, a estudante Lívia de Paula entrou no primeiro semestre no Colégio Chico Anysio.
 
— Eu não queria vir, mas acabei me inscrevendo no edital porque meus pais gastavam R$ 400 por mês numa escola particular. Era caro. Chorei quando soube que tinha passado, mas minha mãe disse que, se tinha que fazer prova para passar, é porque a escola era boa — lembra ela, que é moradora de Madureira — Quando cheguei adorei o espaço, fiz amigos e não quero mais sair.
 
Para Lívia, o Projeto Vida serve como momento de reflexão.
 
— É a hora que a gente analisa a relação com a escola, com as pessoas ao redor, e contamos situações vividas em casa.
 
10 de junho de 2013
FERNANDA PONTES - O Globo

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