"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 1 de junho de 2013

SUBJUGAR A JUSTIÇA É MATAR A DEMOCRACIA

 


O avanço resoluto da presidente Cristina Kirchner para sufocar o Poder Judiciário argentino é mais um sinal de que seu governo segue a estratégia chavista de enfraquecer as instituições para que o Executivo tenha a última palavra.

É o autoritarismo em marcha acelerada para obter a hegemonia sobre o país, em detrimento das liberdades de expressão e de imprensa, dos direitos e garantias individuais.

O Congresso argentino, de maioria kirchnerista, aprovou seis projetos de lei do governo que “reformam” a Justiça. Um deles amplia de 13 para 19 o número de integrantes do Conselho da Magistratura, encarregado de designar juízes e fiscalizar sua atuação.

Os novos juízes serão escolhidos pelo voto popular, nas mesmas listas de candidatos a deputados e senadores. As decisões serão contaminadas pelo viés político e sempre favorecerão o governo, por óbvio.

Outro projeto estabelece um limite de seis meses para a vigência de liminares judiciais, também com endereço certo e imediato— vergar o Grupo Clarín na disputa que trava com o governo sobre a Lei de Meios, outro instrumento de controle criado pela Casa Rosada, este voltado para a mídia audiovisual (TVs, rádio, etc.).

Uma liminar tem impedido o desmantelamento do Clarín, que seria obrigado a vender uma parte importante de seus meios de comunicação. É punição por ter se mantido independente e, como tal, crítico do governo K, quando necessário.

O governo argentino apenas segue a cartilha chavista na aplicação do “kit bolivariano”, que consiste em usar as instituições democráticas para desossar a democracia. Foi assim com Hugo Chávez, que também ampliou o número de juízes para nomeá-los e, assim, controlá-los. Exemplo disso deu o Tribunal Supremo da Venezuela, quando, após a morte de Chávez, atropelou a Constituição e passou o poder diretamente ao sucessor designado, Nicolás Maduro, até a realização de eleições. Na Bolívia e no Equador, governos bolivarianos seguem o mesmo padrão de controle do Judiciário.

Felizmente, o Brasil destoa nesse quadro de involução institucional. O trabalho do Supremo Tribunal Federal no caso do mensalão foi o melhor exemplo de que as instituições funcionam segundo os pesos e contrapesos da democracia.

A mais alta Corte julgou, com vigoroso e técnico debate público, garantido amplo direito de defesa, importantes figuras do campo político no poder e cercanias. Condenou-se quando necessário, sem que isso representasse ameaça à estabilidade institucional. Ao contrário.

Esse é um dos fatores que garantem a segurança jurídica do país para, por exemplo, investidores nacionais e estrangeiros, alérgicos a aplicar seu dinheiro onde as regras do jogo mudam de um dia para o outro.

A esses investimentos está associada, na maior parte dos casos, a criação de riquezas, empregos e o progresso do país. No afã de controlar tudo, governos bolivarianos acabam tendo que administrar a escassez.

01 de junho de 2013
O Globo, Editorial

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