A Argentina era um terra devastada quando o então governador de Santa Cruz, uma pequena província da Patagônia, Néstor Kirchner, candidatou-se pelo Peronismo.
Era um dos três candidatos do mesmo partido. Nas ruas de Buenos Aires, as pessoas exibiam aflição. O país vivia há meses o corralito, o colapso da economia e a hecatombe do governo Fernando de la Rúa.
Meses depois da saída de la Rúa, o país ainda tinha um governo provisório, e ninguém se dispunha a ajudá-lo a sair da encrenca econômica.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não apenas não emprestava dinheiro como fazia mais exigências a uma economia combalida, que enfrentou quatro anos seguidos de recessão, entre 1999 e 2002. Numa série de reportagens que fiz nessa época, encontrei os argentinos sem esperança.
O presidente Néstor Kirchner, com a ajuda do então ministro Roberto Lavagna,
começou a pôr ordem na casa. Depois da queda do PIB de 10% em 2002, teve início
uma recuperação forte, com alta de 8,9%, em 2003, e taxas fortes de crescimento
até a crise de 2008.
Kirchner impôs aos credores externos uma enorme perda, mas renegociou a dívida e reorganizou a economia. Esse foi o começo da década da família Kirchner no poder. E a melhor parte. Vem daí a popularidade que o levou ao governo e depois elegeu sua mulher, e, mesmo depois da sua morte, a reelegeu.
Os méritos foram esses; os defeitos, muito maiores. O autoritarismo econômico fez a Argentina perder a confiança de investidores, inclusive dos brasileiros.
O calote deixou sequelas, e o país tem sido questionado em cortes internacionais. A intervenção no instituto oficial de estatísticas, o Indec, foi um erro dramático que produz até hoje uma enorme confusão econômica.
O país não confia nos números oficiais quaisquer que eles sejam, contou a correspondente do GLOBO Janaína Figueiredo, na série que fez sobre a Argentina. E, de todos, o mais necessário para a economia é o índice confiável de inflação, porque com ele são negociados os contratos, estabelecidos os preços e feitas as transações. Nos últimos seis anos desde a intervenção, seguida da demissão de funcionários de carreira e de nomeação de militantes, a inflação acumulada oficial é de 68% e a extraoficial é de 193%. Para este ano, há previsões de que a taxa anual chegue a 30%.
A manipulação da inflação empurra a economia argentina mais ainda para o dólar, e o paralelo disparou. Diante dos sinais de que estão se formando distorções no sistema de preços, o governo responde com mais intervenção: controle cambial, restrição de compra de dólares até para viagem e proibição de divulgação de índices privados de preços.
Para um país que viveu, há poucos anos, um avassalador processo hiperinflacionário, esse é um caminho muito perigoso. Enquanto o Brasil reage aos estouros do teto da meta, mostrando desconforto, a Argentina manipula índices e o governo apresenta como vitória uma taxa de 10% ao ano.
A pressão sobre a imprensa é outro erro crasso, pelo país ter vivido uma ditadura das mais sanguinárias. A atitude republicana correta seria fortalecer as instituições democráticas e não miná-las.
O desvario econômico na Argentina atingiu diretamente o Brasil pelas vias comerciais. O Mercosul virou um obstáculo a que o país negocie acordos de comércio. O isolamento argentino deixa o Brasil paralisado, enquanto vários países no mundo fazem acordos bilaterais.
O saldo é desfavorável ao kirchnerismo. O casal entrou em cena num momento crucial e ajudou a reconstrução, mas os Kirchner colocaram a Argentina em retrocesso. Uma vez mais.
01 junho de 2013
Míriam Leitão, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário