Nada como um dia depois do outro. No início da semana, ninguém menos que a presidente da República se orgulhava dos feitos dos “jovens”:
“O Brasil hoje acordou mais forte. A grandeza das manifestações de ontem comprovam (o plural é dela) a energia da nossa democracia, a força da voz das ruas e o civismo da nossa população. É bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pais, o avô juntos com a bandeira do Brasil cantando o hino nacional, dizendo com orgulho ‘eu sou brasileiro’ e defendendo um país melhor. O Brasil tem orgulho deles”, disse a presidente.
A grandeza das manifestações mesmo, só se viu ontem. VIOLÊNCIA SE ESPALHA PELO PAÍS – mancheteia a Folha de São Paulo. A linha fina é dramática:
ATOS LEVAM 1 MILHÃO ÀS RUAS MESMO APÓS QUEDA DE TARIFAS * BRASÍLIA TEM AMEAÇA AO PLANALTO E ATAQUE A MINISTÉRIOS * CONFRONTOS ATINGEM 13 CAPITAIS * EM SP, PETISTAS SÃO EXPULSOS DE PROTESTO
O relato não deixa por menos:
Mesmo após a redução em série das tarifas de ônibus, principal reivindicação dos protestos que tomaram conta do país, novos atos levaram mais de 1 milhão de pessoas às ruas e resultaram numa onda de violência e vandalismo em 13 capitais. Ocorreram ataques ou tentativas de invasão a órgãos dos Três Poderes em nove cidades. Ações de repúdio a partidos políticos foram recorrentes. Em Brasília, que contabilizou mais de 50 feridos, houve ameaça de invasão ao Palácio do Planalto e ao Congresso, depredação de órgãos como Itamaraty e Banco Central e pichação de outros dois ministérios. As manifestações atingiram cerca de cem cidades, sendo 25 capitais. Hoje há previsão de atos em cerca de 60. O protesto no Rio reuniu 300 mil pessoas e terminou num grande confronto que se espalhou pelo centro e terminou com mais de 60 feridos.
Este é o tom dos demais jornais. No pronunciamento de hoje, dona Dilma já não mais manifesta o orgulho do país pelos jovens que o depredam. Mas ainda vê um saldo positivo nas depredações: "Se aproveitarmos bem o impulso desta nova energia política, poderemos fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas".
Para mostrar-se enérgica, condenou a violência "promovida por uma pequena minoria", que "envergonha o Brasil. O governo e a sociedade não podem aceitar que uma minoria violenta e autoritária destrua o patrimônio público e privado, ataque templos, incendeie carros, apedreje ônibus e tente levar o caos aos nossos principais centros urbanos", completou. Pediu ainda que os protestos sejam feitos de maneira "pacífica e ordeira. Os manifestantes têm o direito e a liberdade de questionar e criticar tudo. (...) Mas precisam fazer isso de forma pacífica e ordeira”.
Imagine se fosse uma grande minoria. Ora, no dia em que uma condenação da violência ou um chamado às boas maneiras for suficiente para conter a violência, o país dispensa polícia. É óbvio que a violência vai continuar. Mas, pelo jeito, os problemas do país serão em breve resolvidos. "Vou convidar os governadores e os prefeitos das principais cidades do país para grande pacto em torno da melhoria dos serviços públicos".
Amanhã, no máximo depois de amanhã, teremos no país transportes públicos e serviços de saúde escandinavos. A presidente ainda prometeu destinar a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação, destinação insólita em qualquer país do mundo. A Coréia do Sul que se cuide. Em breve estará a reboque do Brasil em matéria de educação. E fez um aceno aos médicos cubanos e formados em Cuba, ao prometer trazer "de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde)". Como se os doentes apinhados nos corredores dos hospitais do SUS fossem de carência de material humano.
Mudou o trote da mula. Já não é “bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pais, o avô juntos com a bandeira do Brasil cantando o hino nacional, dizendo com orgulho ‘eu sou brasileiro’ e defendendo um país melhor”. Acontece que de promessas o inferno está cheio. Para as promessas de políticos brasileiros deve até existir uma seção especial.
Um bom amigo, perplexo, vê pela frente um 11/09. O que seria um 11/09? A deposição de dona Dilma? Há quem peça, mas não há clima para tanto. Fechamento do Congresso? Muito menos. Ora, se governo e parlamento continuam intactos, não muda nada.
Que propõem os rebelados? As novas bandeiras são mais ou menos as de sempre: saúde, educação, transportes. Estas três palavrinhas são encontradiças no discurso de todos os políticos do mundo. O governo vai tornar o SUS decente? Não vai. Educação? Se fechasse uma centena de universidades para investir na educação básica, estaria de bom tamanho. Não fará isso. Transportes? Só em São Paulo, sem ir mais longe, só tornando o carro proibitivo. Ora, o governo se orgulha de possibilitar o carro aos que não o tinham.
Os rebeldes acrescem a suas palavras de ordem o combate à corrupção. Ora, corrupção se combate com leis e polícia. Ou alguém acha que corrupto que se preze vai se intimidar só porque falam mal dele nas ruas?
Já se começa a falar em golpe. Com que roupa? Será que existe um imã oculto para liderá-lo? Fala-se em golpe da direita. Que direita? Há muito a direita virou esquerda no Brasil. E se algo resta do pensamento de direita, está escondido e envergonhado nos desvãos da nação.
Só há uma instância que pode dar golpe hoje, o PT. Se vier por esse lado, não me espantaria. Mas aí mesmo é que não vai mudar nada. Dona Dilma poderia falar em redução de impostos, uma medida que agrada a todos e depende de uma penada.
Mas dar o que ninguém está pedindo não é boa estratégia. Os “jovens” querem o quê? Se com o voto não dá certo, vai dar certo com qual trouvaille? Um governo da ágora? Mas Atenas era pequena. Não há ágora viável em um país como o Brasil. Que propõem os rebeldes? Um sistema que ainda não foi sequer imaginado? Vai ser difícil encontrá-lo. Os antigos gregos usaram até o sorteio. Em nosso caso, talvez fosse até melhor. Só com sorte mesmo teríamos políticos honestos.
Há quem fale em impedir a Copa. Seria uma vitória de bom tamanho. Mas agora é tarde. O que já foi enterrado na Copa enterrado está. E da Copa dona Dilma insistiu que não abre mão. A renúncia à Copa, do ponto de vista econômico hoje já não traria nenhuma vantagem. Seria mais uma vitória moral, neste país que trata seus cidadãos com pão e circo.
Brasileiros de minha idade devem estar lembrados de como a ditadura militar usou o futebol como euforizante da nação. Naqueles dias, as esquerdas torciam às escondidas pela seleção, para não dar a impressão de que aderiam ao anestésico oferecido pelos militares. Hoje, não abrem mão do futebol e o usam como instrumento de controle do poder. Como os militares.
Pessoalmente, não vejo saída satisfatória para esta baderna toda. Mas há algumas obviedades que não podem ser ignoradas. O país não pode viver nessa tensão contínua. Um dia é preciso retomar a vida normal. Festa tem hora de acabar.
Por outro lado, a situação não é tão grave como parece ser. Um milhão de pessoas nas ruas é 0,5 da população. A transmissão contínua das televisões dá a idéia de um país em chamas. Ora, longe disso. Meu bairro continua em seu mesmo ritmo. Todo mundo comprando, trabalhando, comendo, bebendo. O mesmo ocorrerá em dezenas, centenas de outros bairros, em São Paulo e no país todo. Vistas pela televisão, as cidades parecem ser puro caos. Não são. Caos só em dois ou três pontos do centro e nas avenidas onde os “jovens” se concentram.
Saída, só o cansaço. Honestamente, não vejo outra. Como uma febre que vai e volta, a temperatura deverá ceder nas próximas semanas. Mais adiante, tenta-se uma nova rebelião. Mais adiante ainda, uma outra. E o país continuará eternamente embalado em seu berço esplêndido.
Ou alguém acha que país que elege e reelege um operário analfabeto, conivente com a corrupção e defensor de corruptos, que elege o poste indicado pelo operário analfabeto para sucedê-lo, que elege e reelege Sarney, Collor e Renan, tem solução?
Voi che siete brasiliani, lasciate ogni speranza.
23 de junho de 2013
janer cristaldo
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