"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 23 de junho de 2013

DEMANDA POR ESPERANÇA

Ainda é difícil compreender o movimento social em andamento em todo o Brasil, mas, certamente, é equivocado tentar desqualificá-lo pela ausência de bandeiras definidas ou pela comparação com outros atos políticos na história do país – luta contra a ditadura, Diretas Já, Fora Collor. O mérito de agora talvez seja justamente emergir após anos de um processo massificador de despolitização em todos os níveis. É mais natural mobilizar-se quando há polarização entre duas forças bem-delineadas, quando há um inimigo definido e alternativas para um modelo de vida melhor. E isso foi colocado fora do desejo de toda uma geração. Acreditar em mudanças estava até ontem fora de moda.
Por isso, é contraditório e conservador exigir um caráter revolucionário, programático e organizado por parte dos manifestantes. A ideologia dos tempos atuais sempre vendeu – e ainda vende – a tese da liberdade individual como liberdade de consumo, do anacronismo das ideologias, do fim da história.
Quem agora protesta nasceu em uma época sem esperança, sem horizonte. E talvez seja essa angústia, esse vazio, o motor de tanta insatisfação atirada para todos os lados.Só dentro desse contexto, incluindo ainda a falência da representação política partidária e institucional, é possível tentar analisar essa onda disforme e heterogênea.
Apenas algumas certezas estão consolidadas, por exemplo, a força inédita no Brasil das redes sociais para divulgar e conectar movimentos sociais. Também é evidente a enorme demanda da população mais jovem pelo protagonismo na vida política e também na reocupação das cidades de forma menos desigual e mais humana. O pano de fundo atual é a falência das políticas públicas promovidas no país nos últimos 30 anos.
O legado deixado pelas ruas em menos de duas semanas de protesto é a vontade de politizar-se, de ocupar as ruas da cidade com mais pessoas e menos carros, mais aparelhos públicos e menos condomínios fechados, mais acesso à educação e à saúde e menos concreto e estatísticas. Na onda dessa nova juventude, professores da rede pública, médicos do SUS e outros integrantes de movimentos sempre presentes nas ruas respiram aliviados, pois não poderão mais ser chamados de “baderneiros”.
A presença de milhares de pessoas nas ruas é muito positiva mesmo não estando todos remando para o mesmo lado nem pelas mesmas causas. Deixemos de lado a tentação de querer deslegitimar o “vem pra rua” pelos quebra-quebras ou por ações contraditórias, como ativistas saudando a polícia. Daqui a pouco, haverá uma separação natural, um arrefecimento de forças, mas o processo de politização já foi semeado em grande parte desses manifestantes.
 
(transcrito do jornal O Tempo)
 
23 de junho de 2013
Murilo Rocha

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