É claro que considero uma violação das normas da diplomacia internacional o que fizeram com o presidente boliviano Evo Morales os governos de Portugal, Itália, Alemanha e, em algum grau, também da Espanha, por pressão dos Estados Unidos.
Como se sabe, em seu retorno de Moscou — em cujo aeroporto está refugiado Edward Snowden, o ex-contratado da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos que revelou a espionagem norte-americana a seus aliados europeus –, Morales foi obrigado a desviar sua rota por proibição de sobrevoo em territórios de países europeus, que atenderam à pressão de Washington.
As autoridades americanas suspeitavam que Morales, que ofereceu asilo a Snowden, estaria levando-o para a Bolívia no avião presidencial Falcon. Apesar das gestões da Espanha para solucionar a crise, Morales acusou o embaixador espanhol em Viena — onde o avião precisou pousar devido às proibições de sobrevoo e permaneceu várias horas — de ter sugerido “tomar um café” a bordo para checar se o ex-agente não estava mesmo no aparelho.
Os EUA e seus aliados europeus humilharam Morales, pois afinal o Falcon boliviano é uma aeronave de Estado e, como tal, tem imunidade diplomática — mesmo em se tratando de um chefe de Estado liberticida e desvairado como o presidente da Bolívia. Princípio é princípio.
Agora, o que me chamou muito a atenção nessa crise toda foi a postura do Brasil. A verdadeira fúria com que a presidente Dilma Rousseff condenou a dos aliados americanos, por exemplo. A nota fala em “indignação” e “repúdio”, em “atitude inaceitável”, chega a delirar mencionando ter havido “risco de vida para o dirigente boliviano e seus colaboradores” e, lá pelas tantas, faz o governo brasileiro se meter onde não é chamado — e, ridiculamente, dá “lições” aos países europeus. Vejam só:
“Causa surpresa e espanto que a postura de certos governos europeus tenha sido adotada ao mesmo momento em que alguns desses mesmos governos denunciavam a espionagem de seus funcionários por parte dos Estados Unidos, chegando a afirmar que essas ações comprometiam um futuro acordo comercial entre este país e a União Europeia.”
Pergunto: o que é que o governo brasileiro tem a ver com isso? De onde é que o Itamaraty, que deve — presumo — haver orientado Dilma tirou a ideia de que o Brasil deveria meter a colher nessa encrenca entre os dois gigantes econômicos, políticos e militares?
A postura do Brasil com esse incidente envolvendo a Bolívia tão amiguinha do Planalto e TERCEIROS contrasta fortemente com o silêncio pusilânime do mentor de Dilma, Lulinha-paz-e-amor, quando, em maio de 2006, ainda no primeiro lulalato, o governo de Morales, rompendo contratos e atropelando a diplomacia, enviou forças militares para ocupar instalações da Petrobras na Bolívia, cuja desapropriação decretou, pouco depois de a empresa haver comprometido investimentos novos de 1,5 bilhão de dólares na exploração de petróleo e gás no país vizinho.
Naquele episódio, o mesmo lulopetismo que hoje critica países amigos do Brasil há séculos reagiu de forma humilhante, com Lula passando a mão na cabeça do amigão Morales e mencionando até “injustiças históricas” e a “exploração” que ao longo do tempo sofre o povo boliviano.
O governo Lula e, depois, o governo Dilma, bem como a própria Petrobras, se fingiram de mortos e até hoje não sabemos — o país não sabe — os prejuízos que a estatal sofreu com a ação de Morales, se o preço pago pela desapropriação foi ou não correto, e qual o saldo geral do episódio.
Uma coisa, porém, é certa: do ponto de vista diplomático e político, o tapa na cara desferido por Morales no Brasil e em seus legítimos interesses ficou por isso mesmo.
05 de julho de 2013
Ricardo Setti - Veja
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