"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 5 de julho de 2013

MÁ GESTÃO CAUSA CRISE NO TRANSPORTE PÚBLICO

 

As razões que ajudaram o transporte público a servir de fagulha na onda de manifestações de rua de semanas recentes são conhecidas pelos moradores das grandes cidades brasileiras. Má qualidade, em geral, na prestação do serviço tem sido o padrão numa atividade vital para a grande maioria da população.

As causas daquilo que costuma ser visível para quem depende do transporte público para se locomover acabam de ser convertidas em informações estatísticas por um oportuno levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa de Informações Básicas Municipais.

Um dado é suficiente para dar a medida do descaso do administrador público com o setor: apenas 44,7% das 38 maiores cidades do país têm um plano de transporte, com diretrizes, ações a serem executadas etc. É muito pouco, se considerarmos que quase 85% dos 190 milhões de brasileiros vivem em cidades.

Há, portanto, enormes demandas não atendidas. Se forem considerados todos os mais de 5.500 municípios, não há planejamento na atividade em 98% deles.

Mesmo no Rio de Janeiro, estado relativamente rico, em apenas nove das 92 cidades há plano de transporte.




Uma das regras pétreas na área pública é nunca haver dinheiro suficiente para atividades essenciais. Transporte, uma delas. Mas o quadro mostrado pelo estudo do IBGE revela que a carência é de capacidade gerencial, explicitada pela ausência de planejamento na área.

Especialista no ramo, o professor Joaquim Aragão, da Universidade de Brasília, explica o descaso municipal:
“Governante quer obra. O plano é um investimento, tem que contratar gente para desenvolvê-lo. Demora até que ele esteja pronto. Planejamento também limita arbitrariedades do governo.”

A interpretação equivale a uma outra, mais folclórica, de que político gosta de obra à flor da terra, e não subterrânea, longe dos olhos do eleitor. Daí, conclui-se com alguma maldade, haver sérios problemas no saneamento básico.

Se falta dinheiro, é porque ele está sendo mal aplicado. Segundo a mesma pesquisa do IBGE, de 1999 a 2012 quase dobrou — crescimento de 86% — o número de servidores contratados pelas prefeituras.

O contingente de funcionários públicos passou de 3,3 milhões, em 99, para 6 milhões no ano passado. Um salto desastroso do ponto de vista das carências de investimento no transporte de massa.

Representantes dos prefeitos alegam que o empreguismo se deve às atribuições assumidas pelos municípios na Educação e na Saúde. Infelizmente, a qualidade dos serviços prestados nas duas atividades não condiz com o inchaço das folhas de pagamento.

Também chama a atenção que haja meio milhão de servidores contratados sem concurso, em cargos comissionados, de confiança, geralmente preenchidos por meio de apadrinhamento pessoal e/ou político-ideológico.

Que o barulho das ruas possa despertar prefeitos para esta realidade.

05 de julho de 2013
Editorial d'O Globo

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