No primeiro dia de sua visita, Francisco lavou a alma do Brasil. Engarrafado na Presidente Vargas, num carro com a janela aberta, acariciou uma criança. Era apenas um homem que não tem medo do povo. Percorreu a muy leal cidade de São Sebastião em cenas inesquecíveis. Seu percurso não foi demarcado pelos batalhões de choque, mas por cordões de jovens voluntários, com camisetas amarelas (oh, que saudades da cor das Diretas Já).
Pouco depois, o Papa estava no jardim do Palácio Guanabara, num cenário cavernoso, com o prédio protegido pelo Batalhão de Choque. Submeteram-no a um protocolo redundante, obrigando-o a apertar as mãos de pessoas que já havia cumprimentado na Base Aérea.
Havia hierarcas que ganhavam beijinho da doutora Dilma e ai daqueles que saíram só com o aperto de mão. (Noves fora o ministro Joaquim Barbosa, que passou batido pela chefe do Poder Executivo. Ele não faria isso com o prefeito de Miami.) No Guanabara estava a turma do andar de cima. Nela havia gente que, tendo ouro e prata, anda protegida por seguranças pagos pela patuleia da Presidente Vargas.
Até o momento em que Francisco chegou ao Rio, o país viveu o clima neurastênico, no qual se confundia uma peregrinação da fé com uma operação militar que, avaliada pela sua própria pretensão, foi uma catedral de inépcia. Vinte e cinco mil homens da polícia e das Forças Armadas para proteger o Papa. De quem?
Num dos momentos mais ridículos já ocorridos em visitas do gênero, um soldado foi fotografado verificando o nível de radioatividade do quarto de Francisco em Aparecida. Os sábios da demofobia planejaram tudo e, como sucede a milhares de cariocas, o Papa acabou engarrafado na Presidente Vargas.
Evidentemente, a prefeitura responsabilizou a Polícia Federal e a Polícia Federal responsabilizou a prefeitura, mas isso não é novidade. Para alegria de quem estava na avenida, deu tudo errado e eles puderam ver o Papa de perto.
Todos os detalhes da neurastenia foram conscientes, da divulgação do aparato de segurança à exposição de temores com manifestações. Nenhuma das duas iniciativas era necessária. A exaltação da máquina policial é uma indiscrição, a menos que seu objetivo seja apenas causar temor.
Os distúrbios ocorridos nas cercanias do Palácio Guanabara faziam parte do cotidiano do governador Sérgio Cabral, não da rotina de Francisco. Nesse sentido, a janela aberta do carro, o papamóvel com as laterais livres e o cordão dos voluntários vinham da agenda da Igreja, botando fé no povo e nos jovens.
Num discurso impróprio, a doutora Dilma referiu-se às “mudanças que iniciamos há dez anos”. Louvava a década de pontificado petista diante de um pastor cujo mandato começou há 2013 anos. Não entenderam nada.
O Brasil é uma democracia que passa por momentos de tensão.
O hierarcas de Brasília e do Rio celebraram a suposta eficácia de geringonças eletrônicas (com contratos milionários) e, inexplicavelmente, ecoaram a demofobia e os rituais dos comissários poloneses durante a visita de João Paulo II a Varsóvia, em 1979.
Onde havia fé, viram jogos de poder. Perderam uma santa oportunidade de celebrar a fé dos peregrinos e baixar as tensões que envenenam a política nacional.
24 de julho de 2013
Elio Gaspari é jornalista.
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