No período compreendido entre 17 de junho a 16 de julho de 1985, uma pesquisa de opinião pública feita pela Toledo & Associados analisou dados levantados junto a um universo de 252 pessoas em vários bairros da capital paulista. O resultado expresso em relatório concluiu que “a imagem dos políticos estava desacreditada e vinculada à corrupção, empreguismo, promessas não cumpridas, falta de seriedade e incompetência”.
A grande informação trazida pela pesquisa, segundo seus coordenadores, foi a constatação de que existia um abismo entre a realidade e as necessidades do povo e aquilo que ele esperava e requeria da ação política. O povo, conforme o relatório queria coisas mais concretas como saúde, educação, bem-estar, segurança, alimentação. Ao mesmo tempo, os dados mostravam que a população não acreditava nos políticos, mas era guiada por um fator muito forte: a esperança.
A pesquisa refletia também a incompetência do Executivo conjugada à anemia das estruturas de representação, como partidos políticos e o Legislativo, incapazes de cumprir adequadamente seu papel de mediação entre sociedade civil e Estado.
Acrescente-se que o comércio da política nunca fora tão exacerbado e os partidos políticos tão descaracterizados como no período anterior às eleições de 1986. Tais agremiações se tornaram clubes de interesses onde se acentuou o oportunismo da troca de siglas, o acerto de interesses pessoais, o objetivo do poder pelo poder, a ausência de qualquer ideologia, princípio ou disciplina. Coisa que não mudou até hoje e até se agravou.
No desamparo dos órgãos oficiais, na escassez de recursos econômicos e políticos, a grande massa composta pela pobreza ia fornecendo a matéria-prima para a eclosão de lideranças populistas, típicas do terceiro-mundo, aqueles médiuns do psiquismo coletivo tribal capazes de oferecer o prazer da identidade e acender a chama da esperança.
Um pulo no tempo e chegamos em 1989. Assistia-se ao fim do governo Sarney onde, conforme a expressão do sociólogo Helio Jaguaribe, era evidente a “canibalização do Estado Brasileiro”. Essa situação vinha à tona através da imprensa, que destacando as performances dos poderes Executivo e Legislativo colaborava para a formação de uma opinião pública capaz de vincular à classe política antivalores como desonestidade, irresponsabilidade, corrupção, parasitismo e incompetência.
Porém, a insatisfação latente não levou o povo a se manifestar a não ser quando liderado, como no caso das “diretas-já” ou do “fora Collor”. É que sempre nos faltou cultura cívica, o que explica nossa leniência com a corrupção, a ausência de espírito público, o individualismo, a falta de noção de direitos e deveres. Mesmo porque, as autoridades que deviam dar exemplo, nunca deram e somos conhecidos como o país da impunidade onde, como se dizia na América espanhola, “La ley se acata, pero no se cumple”.
Diante desta sintética recordação histórica se pode afirmar que junho de 2013 foi o mês do espanto. Espantaram-se os políticos de todos os partidos, despencou a popularidade da espantada presidente da República, o Congresso espantadíssimo aprovou á toque de caixa projetos parados ou esquecidos, quando milhares de brasileiros de todas as classes sociais foram às ruas reivindicar qualidade de serviços públicos, especialmente, os da saúde e da educação, clamar contra a corrupção e contra os gastos da Copa, pedir o fim da PEC 37. Foi uma inédita e verdadeira explosão de consciência cívica que percorreu o Brasil de ponta a ponta, sem lideranças, sem partidos e pacificamente.
Os jovens de esquerda que andam de carro e que fizeram passeata contra o aumento de vinte centavos no preço dos ônibus, não podiam imaginar o que viria depois do seu protesto. E, no espanto geral, ninguém conseguia explicar o fenômeno que não se enquadrava nos estudos sociológicos clássicos sobre massa.
Quem melhor explicou a causa da inusitada reação popular foi o jornalista Juan Arias, do El País. O que houve, disse ele, foi “a falência múltipla das instituições”. Acrescento que quando a economia vai mal como agora não há governo que aguente, muito menos o atual com sua propaganda enganosa que não resiste a uma ida das donas de casa ao supermercado. Também ajudaram na convocação das massas as redes sociais. Mas, essa ajuda deve ser entendida levando-se em conta a saturação popular diante dos descalabros governamentais.
Portanto, o gigante adormecido acordou. A maioria da população não pode continuar o tempo todo nas ruas, mas um avanço enorme na cidadania dos brasileiros foi dado. Percebeu-se, finalmente, que o Brasil paradisíaco não existe.
Se a consciência popular aflorada vai apagar, não se sabe. Lula já está em forte campanha e pode enganar de novo. Em todo caso, não é impossível se ouvir novamente: “Vem pra rua”. Os políticos que se cuidem.
24 de julho de 2013
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga
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